A Campanha Primavera para a Vida, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), chega ao 22º aniversário com uma importante trajetória em prol dos direitos humanos, justiça, paz, diálogo ecumênico e inter-religioso. Neste ano, a iniciativa abraça o tema “Andar com Fé pelos caminhos da Democracia”.
Com lançamento realizado no Comércio, no Cerimonial Conceição da Praia, em Salvador, o evento teve a participação do teólogo Leonardo Boff, da ativista Benilda Brito e da jornalista Magali Cunha. Diversos representantes de movimentos sociais, de ONGs e lideranças religiosas garantiram presença na atividade. A CESE aproveitou o encontro para também lançar uma publicação sobre a resistência de igrejas na ditadura.
Em alinhamento incondicional ao momento político vivido no Brasil, o tema escolhido para esta edição convida a sociedade a pensar sobre a realidade das instituições democráticas brasileiras. Para a Diretora Executiva da CESE, Sônia Mota, após a deposição da presidenta Dilma Rousseff, eleita democraticamente, os movimentos sociais estão enfrentando todo tipo de ataque e de ameaças. Para ela, desde o período da redemocratização, depois do golpe militar, este é um dos momentos mais críticos da nossa frágil democracia.
Diante da importância e da proximidade do período eleitoral, a Campanha Primavera Para Vida neste ano quer esperançar. “A Campanha quer fazer um contraponto aos discursos fundamentalistas. Fazer frente aos discursos de ódio e antidemocráticos. Queremos com este tema aprofundar as reflexões sobre as questões estruturais que precisam ser transformadas pra que a nossa recente democracia que tem apenas 37 anos realmente se consolide”, declara Sônia.
Fé, esperança e ação
Na defesa de que a fé e a democracia podem conectar e somar mudanças estruturais no Brasil, a assessora de ecumenismo e diálogo inter-religioso da CESE, Bianca Daébs reforça que a fé é uma experiência muito importante porque dá ao ser humano a possibilidade de transcender. “A fé não é íntima dos fundamentalismos políticos e religiosos. Ela é muito próxima da esperança. A fé nos conecta através da espiritualidade ao sagrado que há no mundo. Nesse sentido, a democracia e o estado laico são importantes pra que cada pessoa tenha a liberdade para professar a sua fé e respeitar a fé da outra pessoa”, afirma.
Teólogo e aliado dos movimentos populares, um expoente da Teologia da Libertação, Leonardo Boff reforça a necessidade de se pensar o papel político da fé e reconhece o trabalho histórico da CESE nessa construção. “A CESE inaugurou um outro tipo de ecumenismo. Não é um ecumenismo que as igrejas discutem entre si as doutrinas e chega a uma convergência. É um ecumenismo de serviço, de missão. Nós nos unimos para servir os pobres, servir os direitos, a partir dos últimos, dos condenados da terra”, declara Boff. O filósofo reconhece o papel da CESE como fundamental no apoio à consolidação do movimento nacional de Direitos Humanos.
Importância da representatividade
Benilda Brito, ativista negra, feminista e de axé, reforça a responsabilidade de falar em alguns espaços, especialmente quando essa fala não é uma fala individual. “Esse corpo preto fala em nome de muitas mulheres pretas. Por isso, a responsabilidade se redobra quando estou no meio dos meus pares, das pessoas que eu acredito”; diz Benilda em sua fala de abertura.
Ela reforça as sequelas que recaem sobre os corpos negros, especialmente, na atualidade com o atual governo, relembra os efeitos que o racismo causa na saúde mental da população negra e nos faz pensar sobre o sentido da primavera na caminhada. “Caminhada para nós, pretos, lembra caminho. No caminho a gente tem muitas encruzilhadas. E quem manda nas encruzilhadas para nós é Exu”, reafirma a militante do movimento negro, dando ênfase à relevância deste orixá para a negritude.
Benilda nos lembra que a primavera é um período de fecundidade. “Se a primavera é o período em que as plantas vão parir as sementes que são as flores, o filósofo Renato Teixeira nos convida a pensar que historicamente somos seres que cultivamos a terra para sobreviver. Assim, na agricultura dos afetos, o que a gente quer colher do que a gente está cultivando?”, provoca e reafirma: “a fé do povo preto não costuma falhar”.
Cristianismo de resistência à ditadura
A jornalista e doutora em Ciências da Comunicação, Magali Cunha, é uma das autoras do livro “As igrejas evangélicas na ditadura militar: dos abusos do poder à resistência cristã”, também lançado no evento. A obra sintetiza a atuação de grupos evangélicos durante a ditadura militar (1964-1985) e traz reflexões sobre esse enfrentamento. “O livro conta essa história, dá detalhes com documentação que consta no arquivo nacional. Documentação dos órgãos de repressão; Materiais que foram recuperados, entrevistas, depoimentos e fazendo uso do próprio relatório da comissão nacional da verdade”, declara.
Com as ameaças constantes de retorno a esses tempos de suspensão de direitos, muitas conexões podem ser feitas com os nossos dias. “É muito importante um livro como esse ser lançado neste momento para recuperar essa memória. A memória tem um papel fundamental para iluminar o presente, para não repetirmos o passado, aprendermos do passado, reforçar o que deve ser revivido em novos contextos e rechaçarmos experiências autoritárias”, destaca Magali. Com o propósito de chegar a mais gente, ela reforça que a publicação está online e é gratuita para download.
Edição: Lorena Carneiro