Bahia

Entrevista

Desinformação e fake news ainda são desafios da campanha eleitoral de 2022, aponta pesquisadora

Viviane Tavares analisa os avanços desde 2018 e as dificuldades para o combate desse fenômeno

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Apesar dos avanços, as redes sociais ainda são as principais plataformas de compartilhamento de desinformação e fake news - Pixabay

Nessas eleições, a gente viu novamente notícias falsas e informações incompletas divulgadas por candidatos contra seus adversários ou sobre seus próprios feitos. Nas eleições de 2018, a desinformação e as chamadas fake news pesaram muito na balança do resultado final do pleito. Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral e as plataformas digitais afirmaram que estão melhor preparados para lidar com esse fenômeno, mas ainda assim diversos casos vieram à tona nas redes. Nós conversamos sobre desinformação e eleições 2022 com Viviane Tavares, pesquisadora membra do Intevozes – Coletivo Brasil de Comunicação.

Brasil de Fato Bahia: Qual a diferença entre desinformação e fake news?
Viviane Tavares: Acho que a principal diferença do conceito de desinformação e fake news é que, na tradução literal, fake news é uma notícia falsa. Esse termo ficou muito popular, principalmente depois que o presidente dos Estados Unidos, o [Donald] Trump, durante a campanha dele acusou a imprensa de que propagava notícia falsa em relação a ele, o que ele chamava de fake news. Só que o que a gente vê atualmente vai muito além de notícias realmente falsas. A desinformação, que é o conceito que a gente tem usado, é mais abrangente, porque inclui aquela notícia que não é totalmente falsa, mas está um pouco deturpada, há falta de contexto, uma desinformação que pode vir por uma imagem... Enfim, ela é muito mais complexa, porque ela tem propósitos múltiplos. Às vezes até uma sátira, uma piada que foi feita e não necessariamente é real também está no âmbito da desinformação. Esse conceito ajuda a abranger tudo que, na verdade, desvirtua o conceito original da notícia, da informação considerada verdadeira.

Como o judiciário brasileiro está tentando resolver o problema das fake news e da desinformação?
Como a gente se deparou pela primeira vez, de forma organizada, com a indústria da desinformação nas eleições, o judiciário, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é quem cuida das eleições, acabou desenvolvendo algumas blindagens em relação à desinformação. Eles fizeram uma séria de rodada de conversas com as plataformas, com movimentos sociais, com pesquisadores da área, pra tentar entender um pouco esse fenômeno e proteger, de fato, o cenário eleitoral de 2022.

O que a gente tem hoje é uma força-tarefa, tanto de agências de notícias, quanto de ativistas relacionados à comunicação, e o próprio site do TSE tem ali um lugar em que você pode encontrar as principais fake news sobre urna, sobre sistema eleitoral, sobre candidaturas. Mas infelizmente, isso não é suficiente. Como diz aquele ditado: uma andorinha só não faz verão. A gente precisaria de outros participantes nessa força-tarefa pra que a gente pudesse de fato ter um processo eleitoral que pudéssemos dizer, de fato, se enfrentou as fake news. A gente ainda está muito suscetível a isso.

Nas eleições passadas, as fake news foram determinantes no resultado. Como você avalia que será esse ano?
A gente se deparou pela primeira vez, nas eleições de 2018, especialmente, com as fake news que, de fato, hoje a gente vê que foram determinantes para as eleições. Foram propagadas muitas notícias falsas, muita desinformação sobre o candidato [Fernando] Haddad que, na época, era o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência. A gente viu que, na verdade, estava lidando ali com uma indústria das fake news, uma indústria da desinformação. De lá pra cá, pesquisadores da academia, ativistas de comunicação, ativistas de outros movimentos também se debruçaram sobre isso para entender um pouco esse fenômeno. E a gente viu que, apesar de não ser uma coisa nova, porque a desinformação sempre esteve aí, o que há de novo é que, hoje em dia, essa desinformação é propagada de uma maneira muito potencializada, utilizando as mídias sociais — o Facebook, o Instagram, o Twitter. O que tinha de desinformação boca a boca, hoje em dia pode ser dito para milhões, se essa desinformação é propagada por alguém que tem muitas curtidas nas redes sociais, por exemplo.

Então, nas eleições de 2018, a gente começou a ver, pela primeira vez, esse tipo de desinformação nas plataformas digitas, que é como a gente chama essas redes sociais pelas quais a gente tem trabalhado. E hoje em dia, principalmente no Brasil, são as principais fontes de informação, por onde as pessoas se informam diariamente. Por isso, o papel também muito importante das plataformas no combate à desinformação.

Como as plataformas estão lidando com essa questão?
Como pessoas importantes nessa força-tarefa, a gente não pode falar do próprio Poder Legislativo. A gente tem o Projeto de Lei 2630/2020, que tenta regulamentar o papel das plataformas no Brasil— que são o Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, Telegram. O que isso significa? É estabelecer determinadas regras de transparência, de como essas plataformas fazem uma curadoria de conteúdo, etc. É importante que a gente reivindique isso a essas plataformas. A gente não pode esquecer que elas são empresas privadas, que têm sua lucratividade no acesso a dados, na entrega dessas informações. Então, o que a gente vê hoje é ainda um trabalho de formiguinha, tentando cobrar das plataformas.

O próprio Intervozes subiu uma campanha exitosa, em junho, reivindicando que algumas plataformas, especialmente o Google, trouxessem informações sobre candidatos regionais, deputados estaduais e governadores. Porque até então a gente não tinha informações de anúncios, de impulsionamento desses candidatos no Google. Ou seja, a gente ia passar as eleições sem ter esse tipo de informação, que a gente entende que é muito importante de saber: quanto eles anunciam nessa plataforma, qual o tipo de conteúdo que eles disponibilizam, etc. Então, o papel das plataformas é muito importante. Mas o papel do Legislativo, como eu falei, e do próprio Executivo também são. Infelizmente, a gente tem hoje um Executivo que se faz valer e fortalecer com a indústria da desinformação. Na pandemia, a gente viu muito o próprio presidente, líder do Poder Executivo hoje no nosso país, um grande propagador de desinformação. Existem até pesquisas científicas que mostram o quanto o presidente propaga desinformação por semana. Agora, no período eleitoral, com a realização dos debates, a Agência Aos Fatos fez uma matéria mostrando que a cada cinco afirmações do presidente nos debates, três são inverídicas. Enfim, a gente precisa de um certo comprometimento da sociedade nesse enfrentamento, precisamos cobrar desses da iniciativa privada e dos poderes públicos essa atuação.

Como as pessoas podem fazer para descobrir se uma informação que recebem é fake news ou não? E quando identifica que é mesmo fake news, o que fazer?
Dentro das plataformas, a gente tem ferramentas. Se considerou um conteúdo agressivo, uma desinformação, você pode denunciar esse tipo de conteúdo dentro do Facebook, do Twitter, do WhatsApp. As plataformas recebem esse tipo de denúncia e passam por uma curadoria, que é uma avaliação desse conteúdo e, ou exibem já com selo dizendo que esse é um conteúdo falso, ou conteúdo descontextualizado, ou de fato tiram do ar. Isso já é possível. Sobre as eleições, o próprio TSE também tem um site para que a gente possa denunciar conteúdos desinformativos sobre as eleições. Mas é um papel de formiguinha, né?! É importante que a gente faça isso. E é sempre importante buscar fontes de informação de qualidade: universidades, sites oficiais como o IBGE, Fiocruz, Instituto Butantã, nesse recorte da pandemia. A gente tem uma série de agências de checagem que pegam esses conteúdos falsos e checam, escrevem uma nova versão. Apesar de a gente saber que tem uma limitação de acesso a sites de navegação, porque muitas vezes as pessoas não têm dinheiro pra pagar internet que possa navegar, mas existem essas ferramentas que a gente pode fazer a denúncia ou procurar fontes confiáveis de informação.

Edição: Lorena Carneiro