A sofrência parece mesmo uma vocação de todas as torcidas de futebol. O time entra em campo e não tem um ser humano que se acomode na cadeira sem, ao menos, levantar-se muitas vezes para vibrar, comentar, torcer e impulsionar o seu timão para o tão sonhado gol. A coreografia dos corpos, os aplausos, as brincadeiras, as gozações, quase tudo faz parte do espetáculo esportivo. O que está fora das regras, no entanto, e move o cartão vermelho, é a violência. Com ela, não tem jogo que vença. Afinal, agressão e descontrole não somam placar.
É assim no jogo e é assim também na vida. Torcedores do Bahia e do Vitória protagonizaram uma cena dantesca no último dia 4, em São Caetano, em Salvador. O bairro foi invadido por brigas e agressões entre torcidas organizadas. O conflito envolveu o espancamento das “Imbatíveis” (organizada do Vitória) contra torcedores da “Bamor” (organizada do Bahia) e deixou, ao menos, três pessoas, gravemente, feridas.
Em decorrência do embate, o Ministério Público ajuizou na segunda-feira (12), uma ação civil pública contra as duas torcidas envolvidas no conflito e pediu o afastamento e o fechamento das respectivas sedes por dois anos. No dia 15, a Justiça atendeu a liminar e proibiu a presença da Bamor em locais que ocorram eventos esportivos em todo o país. Já nessa sexta (16), foi publicada a decisão que a Torcida Uniformizada os Imbatíveis também sofreu a mesma punição.
Em ambos os casos, os torcedores ficam proibidos de comparecer aos estádios portando elementos que os identifiquem como membros das organizadas. Além disso, foi determinado o fechamento da sede da Bamor e Imbatíveis, com impedimento de realização de eventos e concentração de torcedores, ainda que sem utilizar elementos indicativos da torcida organizada, nos dois dias antecedentes aos jogos do Bahia ou do Vitória. A proibição vale até o julgamento do mérito da ação civil pública ajuizada pelo MP por meio da promotora de Justiça Thelma Leal.
Através das redes sociais, a diretoria da Bamor comunicou que a decisão não cabe à instituição, "que por sinal não possui nenhum Termo de Ajuste de Conduta assinado com o MP, BEPE ou qualquer outro órgão público". Dessa forma, a torcida organizada afirma que irá manter suas atividades em funcionamento normal e seguirá indo aos jogos. Em relação à Imbatíveis, até o fechamento desta matéria não conseguimos contato ou encontramos posicionamento da diretoria sobre a decisão da Justiça.
Opinião de torcedoras
O assunto tem mexido com a opinião pública. “Com um acompanhamento mais incisivo, a gente ataca de fato o problema e não coloca uma solução genérica como a suspensão de duas torcidas. Não faz o menor sentido”, defende Laís Rodrigues, torcedora fervorosa do Vitória.
“Uma solução fácil para um problema extremamente complexo. Porque a violência nos estádios avança junto com a violência no próprio estado. Não está descolado da sociedade”, acrescenta Laís, Engenheira de Confiabilidade e Manutenção. Ela acredita que o futebol nasceu para ser democrático e destaca a tecnologia como uma aliada dessa vigilância.
“Está tudo filmado. Então, a gente enquanto sociedade, e principalmente os órgãos públicos que têm este poder, precisam identificar essas pessoas. Não pode ficar por isso mesmo porque sempre que fica por isso mesmo é uma resposta de que essas pessoas podem fazer o que quiserem que não vai ter problema, que não vai dar em nada”, diz.
A torcedora do Bahia, Maria Ribeiro destaca que essa não é a primeira vez que essas medidas são solicitadas pelo Ministério Público. Maria lembra inclusive que a própria Bamor já tinha voltado de uma punição que recebeu após o atendado ao ônibus do clube. “A punição foi cumprida e logo depois a gente tem mais um caso de violência. Então, essa punição não se faz tão efetiva quanto ela promete”, acrescenta a tricolor, que neste ponto de vista concorda com a rubro-negra.
Para Maria, só com uma força tarefa da Segurança Pública para identificar os agressores, que segundo ela, não são torcedores comuns. São pessoas que já chegam mal intencionadas. “Enquanto se punir apenas com a proibição da camisa da organizada, enquanto se proibir o material, esse tipo de cena vai continuar acontecendo e a gente não age na raiz do problema, que é a violência”, acrescenta.
O começo da paixão pelo time
Filha de mãe apaixonada por futebol, Laís aprendeu desde cedo a gostar do esporte também. A paixão, no entanto, se divide – respeitosamente - quando se trata do time do coração. “Minha mãe é Bahia doente. É sócia torcedora do Bahia e eu sou Vitória doente”, declara. Influenciada pelo padrinho e pelo primo, Laís também se encantou pelo lado rubro negro da força e escolheu para a vida a camisa vermelha e preta. Traje que exibe orgulhosa, no Barradão, desde os primeiros anos de vida. “É paixão, paixão fervorosa. O time não ajuda muito, a situação não ajuda quase nunca, mas eu não deixo de torcer para o Vitória por nada”.
Tricolor desde pequena, Maria defende que já nasceu Bahia. Uma tradição familiar passada de geração para geração. Com olhos só para o azul, vermelho e branco, ela não desiste mesmo quando a maré não está para peixe. “Hoje, após um caminho que já trilhamos na série B, eu acho que o time vai subir. O Bahia vai subir porque a sua torcida vai subir o time. Eu não consigo enxergar o Bahia como um time que subiria em qualquer circunstância se não tivesse o apoio dessa torcida como tem atualmente dentro de casa”, afirma Maria.
Laís também reconhece que o seu vitória vai mal. No momento, na série C, mas como coração de torcedora não abandona, ela escolhe sempre uma forma otimista de olhar para a situação. “A torcida comprou essa briga contra um possível rebaixamento pra série D e a gente conseguiu se classificar, agora, para a segunda fase da série C e brigando pelo acesso”, explica. “O Vitória está melhor. O time não joga um bom futebol. É um futebol terrível de assistir, então só o que sustenta a gente lá naquele Barradão lotado, difícil de chegar, é realmente o amor pelo clube”, conclui.
Sócia torcedora do Bahia, desde 2018, Maria vai para o estádio, canta, dança, toca, pula e faz parte do movimento “Turma Tricolor”. Faz tudo o que tem direito porque como ela mesma diz: "a Arena Fonte Nova é o meu lugar no mundo", afirma convicta.
Frequentadora assídua de todos os jogos do Vitória em Salvador, Laís criou uma relação muito forte com todas as etapas do jogo. “A gente vai ao Barradão ver o Vitória jogar, mas a gente vai ao Barradão para viver o Barradão”, acrescenta a torcedora que atua na defesa quando o assunto é defender o timão para além dos 90 minutos da jogada.
O amor é o ponto de encontro. Cada torcedor, cada torcedora ama, incansavelmente, o seu clube. Laís e Maria nos provam isso, aqui, em seus testemunhos. Por isso, o hino de todos os times é o que celebra a união do grito de glória com a voz do campeão. Porque para ser vitória, mesmo, de coração é preciso também ouvir essa voz de paz que é nosso alento. A Bahia, estado que tem a cultura fortemente marcada pelo futebol só vencerá – de verdade – em vibração quando a rivalidade entre as torcidas se mantiver só em campo. O respeito pede passagem e vai bem em qualquer hora e em qualquer lugar. Torcida e respeito é a combinação perfeita para fazer aquele gol de placa.
Edição: Lorena Carneiro