Na manhã deste bicentenário da Independência do Brasil, o dia amanheceu chuvoso em Salvador. No centro da cidade, ponto de encontro e de partida de muitas manifestações sociais, o Campo Grande foi - mais uma vez - cenário de luta. Diversas pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas das pessoas excluídas foram às ruas soltar a voz e atualizar os seus gritos de Independência.
Era quase meio-dia quando o sol apareceu e a 28ª edição do Grito dos Excluídos e Excluídas avançou pelas ruas por uma sociedade livre, igualitária com garantia de direitos e respeito às diferenças. Com o lema da vida em primeiro lugar, ainda são muitas as Independências que estão por serem conquistadas. Nos cartazes e nas bandeiras, perguntas que não querem calar: Brasil, 200 anos de (In)pendência para quem?
Sheila Souza, historiadora e integrante da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude, ressalta como os movimentos populares se tornaram porta-vozes desse tipo de questionamento.
“Os movimentos sociais na história brasileira fazem o contraponto à história oficial, aquela que alguns livros de história ainda insistem em sacramentar como sendo a legítima, a história dos vencedores e das classes de maior poder aquisitivo. Apesar das pesquisas, ainda existe uma idealização muito grande sobre esse momento da história brasileira, um imaginário de heroísmo de Dom Pedro, então os movimentos sociais trazem pra nós esse questionamento: será que somos independentes mesmo? Será que foi um imperador que nos fez independente ou foi o povo que garantiu que isso acontecesse?”, aponta.
Em meio a essas questões, está também a afirmação da democracia e a luta pela derrota do fascismo no Brasil. A Cáritas Brasileira Regional (Cáritas Nordeste 3), que participa do movimento em diversas cidades do interior, também vai às ruas da capital baiana.
“A democracia é o alicerce da nossa existência. A democracia traz dignidade ao seu povo. Estamos vivendo um momento muito difícil onde o fascismo, depois do golpe de 2016 e, sobretudo, neste governo genocida tem se apoderado do nosso país”, declara Jardel Nascimento, assessor e integrante da colegiada na Cáritas Nordeste 3 que se uniu à multidão para pedir pelo fim das violências, sobretudo contra mulheres e crianças".
Jardel não esconde o desejo de eleger um governo que dialogue e governe à favor do povo. “Neste momento, mais de 33 milhões de pessoas passam fome e muito mais do que isso vive em situação de insegurança alimentar”, destaca ele com preocupação.
Alinhado com o Papa Francisco e em concordância com a 6ª Semana Social Brasileira que convoca os três Ts: terra, teto e trabalho, Jardel reforça que democracia e direitos precisam caminhar lado a lado. “Este é o grito que precisa ser gritado para estancar a sangria que se apoderou do Brasil”
Mobilização no interior
Desde o começo do mês, cidades de diversas regiões do estado realizaram atividades em torno do Grito, como Paulo Afonso, Riachão do Jacuípe e Jacobina. Nesta última, dezenas de pessoas foram às ruas na última terça (06) na Marcha pela Soberania Alimentar e Abastecimento Popular.
Já nesta quarta (07), houve manifestações em Campo Formoso, Senhor do Bonfim e Vitória da Conquista. Em Feira de Santana, mesmo com tempo instável, movimentos populares, sindicatos, estudantes, pastorais sociais e trabalhadores percorreram a Avenida Presidente Dutra, onde também foi realizado o desfile cívico do 7 de setembro. Com gritos de “Fora Bolsonaro”, os manifestantes denunciaram a carestia e a perda de direitos vivida no último período. “O Brasil precisa de um novo presidente que tenha compromisso com as causas sociais”, afirma Elísio Guedes, da Frente Brasil Popular.
Manifestação histórica
Essa é a 28ª edição do Grito dos Excluídos/as, manifestação que ao longo dos anos entrou para o calendário de lutas de diversos setores da sociedade. A proposta inicial da ação surgiu em 1994, a partir do processo da 2ª Semana Social Brasileira organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O Grito chegou de fato às ruas no ano seguinte, em 7 de setembro de 1995, ecoando em 170 localidades o lema “A Vida em Primeiro Lugar”.
Desde então, o Grito dos Excluídos/as se tornou não apenas um dia de luta, mas um processo de construção que envolve uma ampla articulação de organizações e entidades. Sheila explica que as experiências de organização do Grito expressam a necessidade de um trabalho de base cotidiano, que busca um horizonte de justiça e igualdade. “Pensar o 7 de Setembro é saber que ainda temos muito o que fazer para sermos independentes, garantir nossa autodeterminação e soberania no que diz respeito às nossas questões políticas, sociais e econômicas. Nesse ponto, os movimentos sociais nos ensinam que é necessário buscar isso todo dia, construindo dia a dia um pouquinho dessa independência, com luta e sem arredar o pé da rua”, conclui.
Edição: Lorena Carneiro