Bahia

DEMOCRACIA

"O que a gente tem vivido no Brasil é um processo de instabilidade democrática", aponta Cláudio

Sistema político brasileiro é tema da entrevista com o cientista político e professor Cláudio André

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Chegada de Bolsonaro ao poder em 2018 possibilitou abertura para uma crise política no país, de acordo com o professor - Divulgação Unilab

Você sabe qual o papel dos poderes legislativo, executivo e judiciário no Brasil? Tem acompanhando as mudanças no cenário político e na organização do Estado nos últimos anos? Com a proximidade das eleições gerais de 2022, o Brasil de Fato Bahia traz esses e outros esclarecimentos na entrevista a seguir, com o professor e cientista político Cláudio André de Souza.

Brasil de Fato Bahia: Claudio, primeiro muito obrigada por ter aceitado nosso convite. Pode começar explicando para nós, em linhas gerais, como se organiza o sistema político brasileiro? Legislativo, executivo, judiciário, como se dá a relação de poderes entre eles?

Cláudio André: Muito importante a gente contextualizar o que é o sistema político brasileiro. Numa primeira dimensão a gente sabe daquela proposta que passamos a aderir e que acontece em todas as Repúblicas democráticas e constitucionais, que é a separação dos três poderes: o legislativo, o executivo e o judiciário. O poder legislativo brasileiro é feito com base na perspectiva federativa, quem tem poder legislativo federal, estadual e municipal, que são as Câmaras de Vereadores. E o legislativo se preocupa e tem como atribuição fiscalizar o poder executivo e elaborar as leis. O poder judiciário é feito para julgar as leis, e também tem várias instâncias com tarefas específicas, em especial a Justiça Eleitoral, que cuida da realização das eleições de forma limpa e democrática. E temos, por fim, o poder executivo, que é mais conhecido, que é aquele que está mais próximo da sociedade, porque é quem executa o orçamento e faz a gestão das políticas públicas e governa e organiza os governos, sejam eles no município, no estado ou no âmbito federal. Então, quando a gente pensa no sistema político, a gente está falando de um conjunto de regras e instituições, portanto, organizações que cuidam, que estruturam a política no dia a dia. Pensando do ponto de vista dos governos, das Câmaras Municipais, das Assembleias Legislativas e, obviamente, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Então, é muito importante a gente olhar para o sistema político como esse conjunto de instituições que organizam a política, que diz o que deve e o que não deve ser feito. 

Tendo isso em vista, por que é importante, nas eleições, a gente escolher deputados e senadores que estejam alinhados politicamente ao governador e presidente que escolhermos?

Muito importante a gente levar em consideração que, do ponto de vista da preferência do voto, há uma prevalência do voto para presidente, casado com o voto para governador, ou seja, o representante desse presidente em um determinado estado. E levando a reboque a votação para senador. Então, a vaga a Senado, em geral, está muito dentro do cálculo político feito pelo eleitorado, que envolve quem são os candidatos ao Senado do governador escolhido. Então, é possível a gente perceber que há essa condição. A polarização política nas eleições presidenciais, portanto, também ajuda a calibrar quem são os candidatos a governador e como eles se movimentarão dentro de uma relação política, em geral, mantida com relação aos candidatos a presidente. Agora, tem um fator importante que a gente deve considerar, que é o fato de que nas eleições proporcionais para deputado, tanto estadual quanto federal, leva-se em consideração a relação desses candidatos com os prefeitos. Porque o trabalho dos deputados estaduais e federais, sobretudo, se dá na relação com as bases eleitorais, com os municípios e regiões dos estados. E, por conta de nós termos, do ponto de vista institucional, uma votação proporcional de lista aberta, ou seja, o eleitor pode votar em qualquer candidato, independente de partido, podendo ter uma votação nominal, votar em uma pessoa, acaba que os políticos e candidatos a deputados trabalham muito nos municípios, levando recursos, intermediando políticas públicas dos governos estadual e federal para as suas bases. Então, a gente pode dizer que é uma votação mais local, mais paroquial, nesse sentido. Dificilmente, nós temos eleitores de pequenas e médias cidades que votam em candidatos a deputados de maneira aleatória, ou seja, políticos que não tenham um trabalho social, de militância, de relação política dentro do município. Então, acaba que os municípios, as regiões são divididas entre políticos que trabalham diretamente na base, com as lideranças de uma determinada região. Isso é algo que configura a competição política no voto proporcional no Brasil.

E as eleições de 2022 serão um teste para a nossa democracia.

Durante o governo Bolsonaro, a gente tem visto um processo, que alguns juristas têm chamado inclusive de esvaziamento do poder presidencial, com o aumento do poder ao legislativo e ao judiciário. O senhor concorda com essa leitura? Esse é um processo benéfico para a democracia brasileira?

O que a gente tem vivido no Brasil é um processo de instabilidade democrática e a abertura de uma crise política que advém da chegada de Bolsonaro à presidência. Ele foi eleito em 2018, toma posse em 2019, e desde lá tem assumido posições tanto anti-democráticas quanto de perseguição a determinadas instituições políticas. Mas ele elaborou uma estratégia, que tem sido eficaz, que passou sobretudo numa aliança com partidos políticos que têm bancadas médias na Câmara dos Deputados e no Senado, partidos que têm bancadas expressivas. Ele fez uma aliança com o famigerado Centrão, dando a esse grupo político, no Governo Federal, espaços diretamente relacionados à execução orçamentária do governo. Então, o que a gente tem percebido é que Bolsonaro tem entregue, numa espécie de terceirização, tem dado de maneira muito pragmática, através de um método que não é o mais democrático, como por exemplo o que a gente passou a denominar de orçamento secreto. Que é uma parte do orçamento que é decidida pelo relator do orçamento, a famosa rubrica RP-9, que fez com que tivéssemos o aumento do poder dado ao legislativo. Sobretudo, a esse grupo político que também está dentro do governo federal. Eu não vejo que a gente vive um esvaziamento do poder presidencial, mas a gente vive uma nova forma de organizar a governabilidade do Brasil. Que é essa do varejo, que é essa com pouca transparência e que tem marcado a relação entre partidos, governo e legislativo.

Legalmente, o Brasil vive em uma democracia. Mas, na vida real, quais são os limites dessa democracia no nosso contexto político atual?

A gente já vive também um processo no qual o judiciário tem ganhado protagonismo. A judicialização da política tem sido um caminho estabelecido e, sobretudo, também, demandado pelos próprios atores da política. O que eu percebo, nesse aspecto, é que de fato a gente tem um processo de maior protagonismo, mas a gente ainda vive um processo no qual as atribuições dos poderes têm sido mantidas, apesar de muita dificuldade advinda dessa crise política iniciada com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência. O que é importante também destacar é que o Brasil vive uma democracia. Apesar das tensões institucionais, apesar das ameaças golpistas de Jair Bolsonaro e de figuras do bolsonarismo, sobretudo com um discurso de confronto às instituições, como se parte dos adversários não tivesse legitimidade. E determinadas instituições não pudessem agir dentro do marco legal que estão previstos, é o caso do Supremo Tribunal Federal, que é bastante atacado, bastante fragilizado pelas falas e pela disputa política feita abertamente por Bolsonaro. Apesar disso tudo, a gente vive uma crise democrática, mas ainda somos uma democracia. O que que preocupa, por exemplo? A aproximação do governo com os militares. A gente está vivendo um momento preocupante, que é o aumento do protagonismo político–partidário das Forças Armadas. E isso de fato não cabe em uma democracia representativa, numa democracia construída com regras claras quanto ao poder que têm as Forças Armadas. E esse poder não é de partido político, não é de governo, a gente está falando de um aparelho burocrático do Estado, que tem limites e atribuições específicas, e que deve se manter assim. Então, a gente pode dizer que, infelizmente, o Brasil vive uma crise democrática, mas é um momento de tensão com limites que estão colocados na conjuntura. E as eleições de 2022 serão um teste para a nossa democracia.
 

Edição: Elen Carvalho