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2022: o ano que não terminará

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"Nossa habilidade deve ser para criar uma grande frente social progressista para apresentar um projeto novo de país".
"Nossa habilidade deve ser para criar uma grande frente social progressista para apresentar um projeto novo de país". - ASA
Está na ordem do dia a adoção de um Estado de bem estar social e um projeto democrático popular

O ano de 2022 não será apenas um momento de disputa eleitoral voltado para um debate sobre os próximos quatro anos de governo, será muito maior e mais transcendente que apenas essa contenda pontual. As crises ambiental, sanitária, social, econômica e política se constituíram numa crise civilizatória, para a qual somos desafiados a apresentar um projeto de nação e de mundo que possibilite a diminuição acentuada das desigualdades, a democracia e a paz. O multilateralismo, mais do que nunca, deve ser um princípio para garantir a segurança no planeta. Está na ordem do dia, no Brasil, a adoção de um Estado de bem estar social e um projeto democrático popular que relance as bases da atuação do Estado na economia e na sociedade, e projetem uma alternativa de sobrevivência para o Brasil e para a espécie humana.

O Brasil tem como grandes desafios a diminuição das desigualdades resultantes do neoliberalismo e da hegemonia do capital financeiro, a consolidação de um sistema de saúde universal, integral e gratuito para todos, o enfrentamento dos processos de precarização do trabalho, resultados da forma como a nova revolução tecnológica tem sido apropriada pelo capital, e a necessidade de um plano de preservação e desenvolvimento ambiental. 

Uma análise muito ampla e majoritária de analistas progressistas indica que estamos num governo cujo núcleo é neofascista que constrói os meios para promover uma ruptura institucional e a reinstalação de um regime ditatorial, baseado no poder de milícias armadas, na repressão social e perseguição aos divergentes na política, às mulheres, aos negros, aos LGBTQIA+. Essa análise nos conduz à construção de uma tática para derrotar esse projeto da ascensão de grupos neofascistas no plano nacional e internacional, e a fazermos uma aliança ampla para ganhar a eleição e governar, impedindo golpes como o ocorrido contra a companheira Dilma, golpes que reúnem o capital financista, o ultraneoliberalismo e os neofascistas, numa singular aliança brasileira. 

Não podemos recair no erro dos comunistas que se recusaram a fazer aliança com os social-democratas na Alemanha nas décadas de 1920 e 1930, permitindo a ascensão do nazismo, que tomou o poder de Estado com uma votação de apenas 30% dos eleitores em 1932, mas conseguiram ter Hitler indicado como chanceler. Precisamos ver o exemplo positivo da China na guerra de libertação nacional que antecedeu a Revolução Popular de 1949, que para expulsar os invasores japoneses criaram uma aliança entre os nacionalistas do Kuomintang e o Partido Comunista Chinês. Após a libertação nacional, o Partido Comunista conseguiu levar a cabo a transformação do Estado chinês.

Consideramos que estamos num momento de confrontação histórica, que terá repercussões por muitas décadas no Brasil e no mundo, e devemos atentar que o objetivo do bloco histórico que está no governo é aprofundar seu domínio, como ficou claro na tentativa de golpe preparada por esse grupo em 7 de setembro de 2021. Tentativa que foi uma culminância de vários discursos, atos e movimentos que objetivavam criar uma nova ordem social, política, cultural e jurídica de extrema direita, com uma base econômica no tosco receituário neoliberal que arrasta o país para uma crise intermitente que já dura seis anos e destrói nossa economia e soberania. 

Nossa habilidade deve ser para criar uma grande frente social progressista para apresentar um projeto novo de país, com base na sustentabilidade, na transição socioecológica para viabilizar a inclusão de milhões de excluídos da economia, com fortes investimentos em políticas sociais como saúde, educação, cultura, segurança numa perspectiva cidadã, agroecologia, direitos humanos, ciência e tecnologia; com a expansão do parque de universidades e centros de pesquisa; com uma política de reindustrialização, de preferência verde. Uma frente que afirme claramente que o Estado mínimo fracassou na década de 1990 no Brasil, e sua repetição como tragédia desde o golpe de 2016 comprova a necessidade de se revogar todas as reformas neoliberais e se ter um Estado protagonista, planejador e indutor do desenvolvimento, que aponte como a economia deve agir numa perspectiva inclusiva e sustentável. Um projeto que enfrente a questão da violência, que nós não conseguimos lidar da forma mais adequada, pois mesmo com crescimento econômico e geração de empregos entre 2003 e 2015 a violência cresceu, especialmente contra os negros e pobres. O paradigma da “Guerra às Drogas” depois de 40 anos demonstrou sua falência. 

O sucesso da China demonstra que o modelo de um Estado forte, atuante e indutor da economia foi vitorioso, e os Estados Unidos e Europa já abandonaram o receituário de Estado mínimo e livre mercado. Os fortes investimentos em renda básica e em energias renováveis com o Green New Deal nos EUA e o “Green Deal europeu”, que é o Pacto Ecológico Europeu, que estabelece um roteiro para a transição justa, sustentável e favorável ao clima, são prova de que o discurso neoliberal brasileiro já se tornou anacrônico mesmo dentre as nações capitalistas.

Esse projeto de transformação nacional apenas será possível com uma articulação internacional, pois muitas dessas reformas demandam uma sintonia com outros atores da geopolítica. O Brasil já teve um papel central de promover a articulação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), do BRICS, da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a relação com a África. O Brasil chegou a propor uma nova arquitetura econômica e financeira com o Banco dos BRICS, que já nasceu com mais recursos que o Fundo Monetário Internacional (FMI), e com o objetivo muito distinto do órgão sediado em Washington, para promover investimentos em infraestrutura. O papel do Brasil foi no sentido de propor fortemente uma reforma do sistema da ONU, para abrir mais espaço para os países em desenvolvimento e dar mais força a essa organização, um papel de defender a paz como alternativa para resolução de conflitos, o multilateralismo, a cooperação econômica para promover a inclusão social e a defesa ambiental. 

Podemos reconstruir esse protagonismo e referência com o fim do governo atual. Reconstruir uma liderança brasileira no mundo que sempre defendeu a paz, pois condenamos as guerras do Iraque, do Afeganistão, da Líbia e da Síria que foram feitas ou insufladas pelas “potências ocidentais” para manter sua hegemonia internacional. No momento testemunhamos o erro da ocupação militar da Ucrânia pela Rússia, mas também não concordamos com o uso político e midiático do conflito pelos EUA e seus aliados para implementar uma série de sanções econômicas. Essas sanções destruirão a economia global, já geram inflação de combustíveis e alimentos e a consequente maior vulnerabilidade e fome pelo mundo. O Brasil deve voltar a defender uma solução pacífica para esse conflito e o cessamento de todo confronto militar. Aos trabalhadores não interessa a guerra, que é uma forma do capitalismo de gerar mais lucros, se apropriar de ativos econômicos de outros países e ainda estimular o nacionalismo que esconde as contradições sociais. 

O Brasil sofrerá os impactos dessa nova Guerra Fria, em que as potências ocidentais procuram conter o fortalecimento de outros polos mundiais de poder e riqueza, ao mesmo tempo em que alimentam suas economias dependentes do complexo militar industrial. Nesse exato momento os Estados Unidos procuram cercar militarmente a China de maneira ofensiva, criando uma instabilidade para tentar conter o avanço econômico e social chinês. O nosso país deve ser o líder do “Sul Global”, com princípios profundamente democráticos, de defesa de uma democracia substantiva e material, e não apenas formal e liberal, defesa da paz, do multilateralismo e da diminuição da miséria a partir de uma transição socioecológica que crie oportunidades para o desenvolvimento dos países nos trópicos. O Brasil como potência ambiental, como o grande articulador dos países que anseiam por paz, por uma nova sociedade e uma nova relação com o meio ambiente, é a grande contribuição que podemos dar à humanidade. 

* Este é um artigo de opinião. A visão da autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Bahia.

Edição: Jamile Araújo