Bahia

ENTREVISTA

O que esperar da produção de fake news nas eleições de 2022?

Conversamos com Ramênia Vieira, jornalista e integrante do Intervozes, para falar sobre o assunto

Brasil de Fato | Lençóis (BA) |
Ramênia defende que as plataformas de comunicação precisam ser reguladas pelo legislativo no Brasil - Arquivo pessoal

Nas últimas semanas, nós vimos uma enxurrada de fake news circularem pelas redes sociais, principalmente com foco nas eleições presidenciais desse ano. Foram notícias falsas sobre candidaturas, prazos e até sobre a rainha da Inglaterra. Para nos explicar esse fenômeno, que não é exatamente novo, o Brasil de Fato Bahia entrevistou Ramênia Vieira, jornalista, especialista em Gestão de Políticas Públicas e coordenadora de Incidência do Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação.

Brasil de Fato Bahia: Ramênia, a gente deve esperar, no período eleitoral desse ano, uma enxurrada de fake news e produção de desinformação como aconteceu nas duas últimas eleições no Brasil?

Ramênia: A gente sabe que foi potencializado no período eleitoral de 2018 e também em 2020 com as eleições nos municípios. A gente sabe que muito tem relação com as plataformas de mensageria. Mas a gente sabe também que a desinformação é um processo que existe desde a existência do mundo, da comunicação. É um processo que vem de longo tempo, que foi se aperfeiçoando às tecnologias que a gente tem atualmente. A desinformação já era muito forte na televisão, com esses grandes grupos de mídias que trabalhavam para perpetuar as mesmas pessoas no poder. Então, a gente percebe que por, até hoje, não existir uma regulação da mídia que tire a concentração dos meios como existe no Brasil, a mídia continua extremamente concentrada, e a mesma coisa tem ocorrido com as plataformas. Hoje você tem, por exemplo, o Facebook que é dono do WhatsApp e do Instagram, e o Google que repete a mesma lógica. Assim, a gente sabe que vai ser, sim, um processo bastante complicado esse ano, mas a gente já viu que tem algumas coisinhas que estão mudando. Por exemplo, WhatsApp, Facebook, YouTube, Instagram, TikTok e outras plataformas fizeram um acordo com o TSE para tentar diminuir a desinformação no período eleitoral. Se vai funcionar, é mais difícil de a gente dizer, porque não tem muito como prever. Inclusive saiu uma notícia falando que as plataformas não têm interesse de acabar com as fake news, com a desinformação, porque elas também ganham dinheiro com isso. Então, achamos que enquanto não houver uma regulação das plataformas, esse vai ser um processo difícil. É um processo que ainda está em disputa, nós temos já algumas mudanças, principalmente no WhatsApp, que diminui um pouco o poder viral de uma desinformação. Hoje você tem uma dificuldade maior de encaminhar as mensagens, você não consegue encaminhar pra todos os grupos, como era possível antigamente. Mas sempre criam também programas para burlar esse sistema, né?! Tem sempre alguém pensando em como criar um programa para passar para os candidatos, que eles consigam fazer a disseminação de conteúdo. Hoje o WhatsApp está muito mais preparado pra responder a isso, apesar de ter sempre uma construção sendo feita, e que pode conseguir não ser barrada pela plataforma.

A desigualdade de acesso à internet no Brasil tem algum impacto nesse cenário?

Claro que gera um impacto, porque no Brasil nós temos o que é chamado de zero rating, que é, quando você compra um celular em uma operadora X, aquela operadora lhe oferece um pacote de serviços dentro do qual alguns serviços são gratuitos. Inclusive, esses APPs de mensageria, como por exemplo, WhatsApp. Aí a pessoa que não tem mais carga de dados naquele celular continua recebendo mensagens de WhatsApp, continua conseguindo abrir o Facebook. Ali, ela encontra algumas matérias, relatos, que elas não podem checar na hora, porque está trafegando pela franquia de zero rating. Elas estão onde a plataforma as permite estar sem saldo de dados. Então, elas não abrem a matéria pra verificar se é real, costumam compartilhar automaticamente. Esse processo é mais forte nas regiões norte e nordeste, onde o valor mensal e da franquia é muito mais alto. E uma coisa que aconteceu muito em 2018, foi criarem páginas com nomes parecidos de páginas de grandes jornais ou de empresas jornalísticas, e aí você não presta atenção até o final e você acaba acreditando naquele título como uma verdade. Sem contar a própria desinformação dessas empresas que já existe, que colocam no título uma coisa, e quando você lê a matéria a própria matéria não está colaborando com o título. 

Nesse contexto de comunicação atual — muita notícia circulando pelas redes sociais, cada vez mais pessoas utilizando sites e redes como fonte de informação —, a radiodifusão, e as TVs, principalmente, ainda têm influência no processo eleitoral e político?

Como eu havia mencionado, a radiodifusão, especialmente os canais de televisão têm, sim, muita influência no processo eleitoral e político. Tanto que, como já havia dito, a desinformação veio também com a concentração da radiodifusão no Brasil, querendo perpetuar as mesmas pessoas no poder e ditar as regras de como as coisas têm que ser. Podemos ver a própria questão do mercado, a gente nunca sabe o que é bom, porque dependendo do governo que está, o dólar aumentou é ruim, o dólar abaixar também é ruim. Você nunca sabe exatamente o que é ruim, porque eles não falam o que é ruim para as pessoas no dia-a-dia, para os trabalhadores. Eles falam o que é ruim para o mercado, porque eles trabalham com a lógica do mercado. Então, estão sempre fazendo programas direcionados aos interesses deles, principalmente os jornalísticos são voltados para atender os interesses do mercado. Então a gente vê que isso tem uma influência, porque sempre coloca em questão muito menos o cidadão, os direitos dos trabalhadores, muito mais da relação mercado, quando eles querem fazer alguma manipulação política. Isso a gente vê desde sempre no Brasil.

Nós vimos recentemente notícias sobre a tentativa do MPF de bloquear o funcionameto do Telegram no Brasil e, ao mesmo tempo, uma possível mudança do APP do WhatsApp no país para que ele se pareça mais com o Telegram, no sentido de não limitar as listas de transmissão. Qual que é papel dessas grandes empresas nesse cenário que envolve comunicação e política?

Elas deveriam ter um papel central, mas não é o que acontece. Isso a gente já percebe desde a eleição de Trump nos EUA, de Bolsonaro no Brasil, que a desinformação era um processo que poderia ter sido um processo um pouco mais limitado pelas plataformas, que elas poderiam ter tentado bloquear um pouco mais. Porém, não foi o que aconteceu. Na verdade, o que aconteceu é que elas foram beneficiadas também pela desinformação. Afinal, os maiores canais do YouTube e do Spotify são sabidamente divulgadores de desinformação, de fake news. Então, a gente sabe que eles não têm o interesse de fazer esse controle. Por isso, a gente acredita que tem que existir uma regulação das plataformas, e ela tem que vir do legislativo. Hoje, no Brasil, a gente está discutindo na Câmara dos Deputados o PL 2630, que pode ser votado a qualquer momento. Esse PL, conhecido como PL das Fake News, saiu do Senado no ano passado com um viés muito mais combatendo ao usuário que divulga a desinformação do que de combater e regular as plataformas. Porque é através das plataformas que essa desinformação está sendo disseminada. E na Câmara ele ganhou esse escopo. O PL está na Câmara sob a relatoria do Orlando Silva, e o deputado criou uma regulação da plataforma de modo que ela também preste contas à sociedade. Afinal, quando você tem uma página que é bloqueada, ou um tweet que você escreveu e foi deletado, você precisa saber o que foi que aconteceu, a gente precisa de mais transparência. Quais são as motivações que fizeram com que aquele seu post fosse excluído? Isso precisa ser feito em um processo, não é plataforma simplesmente decidir. Inclusive, porque as plataformas hoje em dia não tem seres humanos fazendo esse controle. Boa parte desse controle é feita por meio de bots, e bots podem errar. Os robôs podem cometer um erro. Inclusive, se várias pessoas decidirem que vão denunciar sua página, porque não gostam da sua página e não porque você cometeu algum crime, elas podem derrubar sua página. Então, a gente defende que exista uma regulação das plataformas, que exista mais transparência e que exista o devido processo. Essa não é uma decisão que tem que vir do Tribunal Superior Eleitoral, é uma decisão que tem que existir uma lei para que ela ocorra. Porque, como aconteceu no mês passado, o TSE estava definindo banir o Telegram do Brasil, mas não se pode fazer isso num período eleitoral por ser período eleitoral. Precisa existir uma regra anterior, e isso não pode acontecer só porque vai ter eleições. Tem que acontecer porque existe alguma lei que fala que aquela plataforma cometeu irregularidades no Brasil. É uma questão muito delicada, e que a gente acredita que tem que passar por uma legislação que não seja só eleitoral. Ela tem que ser sim também eleitoral, mas essa legislação ela tem que acompanhar todas as questões que regem as plataformas, inclusive fora das eleições. Lembrando que o PL 2630 ainda não está ótimo, não é um consenso, mas que aponta caminhos de transparência, de mais direitos aos cidadãos, uma lei que realmente mostra tudo o que você pode e não pode dentro da plataforma, a partir do momento em que as plataformas terão que ter regras e essas vão ter que estar claras para os usuários.

Edição: Elen Carvalho