Devemos deixar de nos firmar como país exportador de commodities que destrói o meio ambiente
Uma nova edição do Fórum Mundial de Bioeconomia foi realizada de 18 a 20 de outubro de 2021 em Belém, no Pará. Foi a primeira vez que o evento, uma parceria entre a Finlândia e o Brasil, com apoio do governo do estado do Pará, foi realizado no nosso país, com debates, painéis e apresentação de experiências de economia circular e bioeconomia. A realização desse evento na Amazônia foi emblemática, pois se trata de um ecossistema em que a bioeconomia pode ser mais induzida e se tornar grande fonte de riqueza.
O evento teve um caráter amplo, com representantes de instituições científicas, governamentais e de empresas, até do agronegócio, que com certeza não prima pela preservação do meio ambiente, mas serve para colocar na pauta esse tema, o desenvolvimento sustentável, mesmo ainda de forma contraditória. Nota-se também uma ausência na lista de palestrantes de movimentos sociais e povos da floresta.
O debate sobre a preservação do meio ambiente, sobre sustentabilidade e crise climática e ambiental foi crivado por uma contradição e uma dualidade que é falsa e precisa ser superada. Talvez uma dualidade criada pelos setores econômicos baseados no consumo desenfreado, na economia dos combustíveis fósseis e na agroindústria predatória, uma dualidade e oposição entre preservação e desenvolvimento. Os setores econômicos da velha economia, sustentados pela destruição dos ecossistemas/biomas, pela poluição intensiva do meio ambiente e pela falta de perspectiva de futuro intensificam um discurso de que, se não houver a predação do meio ambiente e a exploração econômica do ser humano e do ecossistema, não haverá desenvolvimento com criação de empregos, geração de renda e riqueza. Esse discurso apregoa que os impactos ambientais devem ser tolerados em nome do crescimento.
A transição ecológica, baseada na ciência em diversas frentes, como no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas(IPCC), propõe uma mudança de paradigma econômico de geração de riqueza e crescimento que abre amplas possibilidades de desenvolvimento. A adoção de energias renováveis como a solar, a eólica e mais da hidrelétrica abrem possibilidade de altos investimentos e geração de riqueza, e a implantação e operação de grandes parques de energia solar e eólica no Brasil propiciou novos ciclos de desenvolvimento em suas regiões. A substituição dos motores de combustão interna por carros e veículos de transporte coletivo elétricos são uma fronteira econômica que diminuirá sobremaneira a emissão de gases de efeito estufa (GEE) ao mesmo tempo que criará toda uma cadeia produtiva que empregará milhões de pessoas. O desenvolvimento da empresa de carros elétricos Tesla e o seu sucesso econômico demonstram essa tese.
A destruição dos biomas da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, do Cerrado e dos Pampas pelo agronegócio vem sendo justificada com o argumento de que esse setor econômico produz a comida “que alimenta o Brasil e o mundo”, sendo supostamente o setor que mais gera empregos e divisas em exportações, sendo supostamente impossível pensar em produzir sem desmatar. O Agro ataca a legislação de proteção ambiental e das terras dos povos originários, apontada como entraves aos empreendedores. Pesquisas sérias indicam que o agronegócio não alimenta o mundo, e sua participação econômica é muito menor que a propalada. A produção do agro serve para alimentar a produção pecuária em sua maior parte, e deixa a população brasileira em situação de insegurança alimentar enquanto concentra o consumo com poucos segmentos sociais dentro do país e para exportação.
Por outro lado, a destruição em andamento dos biomas amazônico e do Pantanal está extinguindo o equilíbrio ecológico que garante as chuvas no centro-oeste, sudeste e sul. É a Floresta Equatorial Amazônica a promotora das altas evaporações (evapotranspiração das árvores) naquela região que se tornam grandes “rios aéreos/voadores” que se deslocam em direção aos Andes e depois são desviados para as regiões ao centro e ao sul do Brasil.
A biodiversidade e a sócio biodiversidade são o principal patrimônio que o Brasil tem, apenas o investimento e a prioridade para a pesquisa científica e uma política industrial moderna de indústrias limpas e criativas podem propiciar um desenvolvimento em áreas hoje estratégicas no mundo. O uso de muitos produtos para a indústria farmacêutica, para a Medicina, a alimentação, a substituição de produtos oriundos do petróleo são resultados dessa preservação aliada à pesquisa e inovação. Com a revolução científica, tecnológica e produtiva no planeta hoje, o país pode converter essa imensa região preservada num grande campo de pesquisa para aplicação da biotecnologia e da genética.
Devemos deixar de nos firmar como país exportador de commodities que destrói o meio ambiente e inviabiliza a sua própria produção agrícola nas próximas décadas, com uma extinção em massa e a conversão da Amazônia e Pantanal em savana e desertos. Precisamos nos firmar como uma sociedade do conhecimento da biodiversidade, que agregará valor a produtos de alta complexidade, numa produção com uma força de trabalho qualificada e com ganhos expressivos nessa nova economia do conhecimento/economia criativa, ao mesmo tempo em que a preservação do meio ambiente seja vista como um ativo econômico e não um entrave.
Um trabalho acadêmico de fôlego coordenado pelo professor Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC, sobre o MATOPIBA (região de rápida expansão agrícola que envolve Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), demonstra que as promessas de diminuição das desigualdades e geração e distribuição de riqueza não se concretizaram. Temos uma região em rápido crescimento do PIB e exportação, mas os índices de desenvolvimento humano não cresceram de forma geral, nem o índice de concentração do GINI diminuiu.
O desenvolvimento pode ser forte e podemos gerar mais riqueza do que a atual estrutura econômica, a ser substituída com a economia verde, circular, criativa e do conhecimento, numa estrutura menos concentradora de riquezas. A economia atual gera apenas dividendos para os exportadores e deixa a população local em situação de insegurança alimentar e exclusão social. Além de não ser sustentável e ter vida curta, com a sua extinção dentro de uma ou poucas décadas, o modelo atual também não gera inclusão social, distribuição de renda e justiça social.
Edição: Jamile Araújo