É necessário que os estados nordestinos tenham uma política de atração e fixação de pesquisadores
A semana que passou foi testemunha de mais um corte orçamentário na política de Ciência e Tecnologia (C&T) brasileira, com a Câmara dos Deputados aceitando um pedido do ministro Paulo Guedes, em 7 de outubro, para uma supressão de 92% em um crédito suplementar que seria destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, por meio do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16. Essa ação foi coerente com a diminuição de recursos desde 2016 no orçamento da Educação, da Ciência e Tecnologia e a austeridade fiscal dos governos Temer e Bolsonaro. Esse sucateamento foi formalizado com a emenda constitucional 95, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, numa medida audaciosa que nenhum país, por mais neoliberal ou “austero”, ousou fazer.
No período de 2003 a 2015/2016 os investimentos em C&T apresentaram uma elevação considerável. A tendência geral foi de um crescimento histórico e inédito, e uma publicação recente pode dar conta de fazer essa radiografia utilizando dados oficiais do governo federal. Trata-se do levantamento feito pela publicação “BRASIL: cinco anos de golpe e destruição”.
Um dos efeitos dessa política está sendo a emigração em massa de pesquisadores muito competentes, formados em nossas universidades e institutos de pesquisa, para o exterior, a chamada “fuga de cérebros”. As causas são duas, uma material e outra simbólica, cultural e política. Na causa material, temos jovens pesquisadores com produção de nível internacional e formados no Brasil que se percebem sem alternativa de sobrevivência, pelo corte de bolsas e subsídios para projetos de pesquisa, voltando a patamares inferiores ao de 20 anos atrás. A causa simbólica e cultural tem a ver com o ataque à Ciência e à perseguição a cientistas, artistas e professores pelo atual governo brasileiro, o que cria um grande desconforto e desilusão. Propostas estrangeiras de empregos interessantes com fonte de financiamento para pesquisa em Genética, Biotecnologia, Inteligência Artificial, botânica, energias renováveis e muitas outras tornam-se um grande atrativo.
O Nordeste, que se constituiu em um contraponto a essa política neoliberal e neofascista do governo federal, poderia se tornar um polo de atração dos cientistas, estudantes de pós-graduação e pesquisadores, que, no momento, não encontram oportunidades de trabalho e de estudo e buscam outros países, a chamada “fuga de cérebros” (ver matéria) . Assim como os Estados Unidos se beneficiaram da fuga de cérebros da Europa devido à ascensão do nazifascismo e posteriormente com a guerra e destruição dos países europeus; o Brasil hoje exporta cientistas de alta qualidade e grande produtividade para outros países. O sistema da pós-graduação e dos institutos de pesquisa nacionais competem em nível de igualdade com os países mais avançados, EUA, CHINA e países europeus. Mas a destruição da política de fomento à C&T leva nossos doutores e pesquisadores a buscar a sobrevivência material em outros países e um ambiente que não seja hostil à Ciência, como se tornou o Brasil.
O Consórcio Nordeste recentemente criou a Câmara Temática de Ciência e Fomento ao Conhecimento, elevando o antigo Subcomitê de Ciência, Tecnologia e Apoio à Pesquisa a um novo patamar político. A compreensão do Consórcio está correta, mas tem que se pensar em ampliar os investimentos diretos nas fundações estaduais e centros de pesquisa da região, pretendendo triplicar ou quadruplicar o número de bolsas e apoio a mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos, pesquisadores, e abrir muitos editais para concorrência de toda a região e de pesquisadores de outras regiões e países que queiram se estabelecer no Nordeste, visando o financiamento de pesquisas de ponta. Embora na primeira entrevista sobre essa nova câmara observamos um grande avanço em relação à postura do governo federal, a alternativa apontada inicialmente para ampliar o financiamento passa pelo Banco do Nordeste (BNB).
Reivindicar um maior engajamento do BNB na política de C&T na região é louvável, mas se trata de um banco federal que deve seguir a linha política do presidente de evitar dar qualquer apoio aos estados nordestinos, além do anticientificismo e do negacionismo cavernícola característicos do governo. Por outro lado, caso houvesse algum incremento na participação do BNB nessa política de fomento, se esse apoio ocorrer em forma de empréstimo com certeza não atenderá à maior parte das demandas. É necessário que os estados nordestinos tenham uma política agressiva de atração e fixação de pesquisadores, que a fuga de cérebros seja para o Nordeste, e isso implica em aumento dos orçamentos desses estados para esse fim. Como já sugeriu uma vez o Reitor da UFBA, João Carlos Salles, podemos criar um “cinturão iluminista” na região. Uma atitude de coragem e que pode ter uma repercussão estratégica para a diminuição das desigualdades regionais e tornar uma região com outro perfil.
Edição: Elen Carvalho