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Salvador extingue cada vez mais sua Mata Atlântica com o aval da prefeitura

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"No bairro de Mussurunga, a empresa ATF Patrimonial destrói uma enorme área de Mata Atlântica para construir, ilegalmente, um condomínio", pontua a vereadora. - ASCOM Marta Rodrigues
Salvador é um exemplo de que tudo pode quando o assunto é ocupação ilegal de terras

Quarta maior capital do país, Salvador é uma das cidades no Brasil que ainda tem mais áreas remanescentes da Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, como restingas e manguezais.

Isso faz da cidade não só rica para o meio-ambiente e para pensar um novo modelo de desenvolvimento sustentável com sua preservação, mas  também a faz alvo de uma cobiça enorme de empresários e do velho e coronelista esquema de grilagem.

O potencial da capital baiana é suficiente para transformá-la na capital nacional do bioma recordista de biodiversidade mundial. A prefeitura de Salvador, com muita pompa, chegou a prometer - em 2016, mas não cumpriu -, por exemplo, o  Programa Salvador Capital da Mata Atlântica. A promessa era articular diversas iniciativas integrando ações e transformando espaços públicos e institucionais para propiciar a sustentabilidade da Mata Atlântica.

Dizia, à época, que tinha o objetivo de implantar parques numa estratégia também de resiliência climática de comunidades. De fato, a medida está no Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural – SAVAM, integrante do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano atual, Lei 9.069/2016.  A mesma prefeitura também assinou o Acordo de Paris em 2020, se comprometendo a cumprir metas até 2024 como a criação de novos parques, unidades de conservação, espaços verdes, corredores ecológicos e ampliação da arborização urbana.

Como já era de se esperar, apenas promessa. A realidade é que a capital baiana vai na contramão do que prometeu e a força do capital tem sido maior que o meio-ambiente, destruindo ‘coisas belas”,  diria Caetano Veloso. O modelo predatório que vivemos a nível nacional resvala em todo  lugar e em Salvador não está sendo diferente: a cidade tem sido  palco da construção de um BRT destrutivo que ceifou centenas de árvores, desmatamentos em diversas localizações, seja com autorização, ou de forma ilegal.

Grande parte dessas áreas verdes da cidade estão concentradas em bairros periféricos ou na região da Avenida Paralela, por exemplo.  Sem preservação e sem se tornarem áreas de proteção, muitas já foram alvos de disputas bizarras e ocupações irregulares. Um nítida demonstração é o que ocorre no bairro de Mussurunga, nos setores J, L e I, onde a empresa ATF Patrimonial destrói uma enorme área  de Mata Atlântica para construir, ilegalmente, um condomínio.

O caso se mostra um exemplo a ser visibilizado não só pela gravidade, mas pela atuação cidadã da comunidade e dos moradores. Ganhou notoriedade na imprensa devido a revolta e protestos da população. Foram às ruas, aos jornais e à televisão. A pressão foi tanta, que conseguiram que a Justiça tomasse uma decisão sobre um  processo que já se arrastava: proibiu a ATF Patrimonial a dar continuidade às obras no local. A Justiça entendeu que, por conta de uma disputa judicial entre a ATF Patrimonial e a URBIS – Habitação e Urbanização da Bahia S/A, o território não poderia ser mexido tampouco construído pela empresa, que detém apenas a “posse provisória”.

Chama atenção nesse caso específico que a empresa teve o aval da prefeitura para o desmatamento: a supressão da vegetação foi autorizada de maneira irregular pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município, uma vez que para isso seria necessário o licenciamento do Inema e da Autorização para Manejo de Fauna (AMJ), o que não ocorreu.  Ou seja, um  crime ambiental concedido irregularmente sem o licenciamento ambiental estadual e sem a autorização de manejo de fauna – AMJ, nos termos da Lei Federal 11.428.

Recentemente, no dia 14 de setembro, a justiça deu uma nova decisão e fixou multa diária em caso de continuidade das  obras irregulares. Na nova decisão, o juiz definiu multa para a hipótese de prosseguimento das obras no valor de R$ 170mil reais por dia de descumprimento e de R$ 10mil reais por dia pela não apresentação do plano de reflorestamento da área.

No entanto, como disse acima, Salvador é um exemplo de que tudo pode quando o assunto é ocupação ilegal de terras – uma herança coronelista: o desmatamento continua a todo vapor. Além do desrespeito com a Justiça e com a vontade da comunidade, continua-se o estrago ambiental de enormes proporções, com centenas de animais silvestres mortos, espécies destruídas.

Vale Encantado

Outro caso que posso citar, para mostrar como Salvador vai de encontro a promessa de se tornar capital da Mata Atlântica e continua sendo alvo fácil da especulação imobiliária, é o  Vale Encantado, localizado no bairro de Patamares, orla atlântica de Salvador.  Também prometido pela prefeitura para ser o 1º Refúgio de Aves Silvestres (Revis) da capital, está sob a mira da especulação imobiliária, podendo a qualquer momento ser destruído.

A falta de vontade de concretizar o Revis se mostra mais escancarada porque todos os pareceres favoráveis dos órgãos responsáveis para que o prefeito assine o decreto institucionalizando o Refúgio já estão disponíveis. A demora só deixa nítido se tratar de pressão da especulação imobiliária como vai de encontro a preservação da área do Vale Encantado por meio da criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral, conforme prevê Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), através da Lei 9.985/2000.

Toda essa condução em Salvador de suas áreas verdes, o descuido com os terrenos públicos que temos espalhados pelos bairros, mostra o descompromisso com o próprio Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU).

Precisamos entender, perfeitamente, como estes casos representam os projetos genocidas de mercantilização dos recursos naturais e de ocupação de grilagens e como Salvador ainda não está distante dessa realidade. Se faz urgente pensar um novo modelo de desenvolvimento urbano que traga sustentabilidade e preserve as áreas de mata.

E para Salvador ser, de fato, a capital da Mata Atlântica como prometeu a prefeitura, vai precisar mudar completamente sua forma de gerir a cidade, de pensar políticas ambientais, e de cuidar seus espaços urbanos onde muitas dessas áreas estão inseridas. 

Edição: Elen Carvalho