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Um novo internacionalismo está nascendo

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O encontro contou com o pronunciamento inicial do secretário geral do PCC e presidente da China Xi Jinping.
O encontro contou com o pronunciamento inicial do secretário geral do PCC e presidente da China Xi Jinping. - Rogério Melo/PR
Uma ação coordenada de todos os povos é inadiável

Uma conferência internacional de grande relevância reuniu mais de 10.000 delegados que representam mais de 500 partidos políticos e organizações de mais de 160 países, em 6 de julho passado. Foi a “Cúpula Mundial do PCC e dos Partidos Políticos”, que foi articulada pelo Partido Comunista da China (PCC). A participação maciça pode ser viabilizada pelas tecnologias de comunicação, estimuladas nessa época de pandemia e que tiveram o condão de garantir uma representatividade muito ampla, que terá impactos sobre o futuro da Geopolítica. No Brasil, foram convidados e se fizeram presentes: PT, PCdoB, PCB, PDT, PSB, FORO de SP, MDB, PSD, PP, PSDB. 

O tema do encontro foi “Pelo Bem-Estar das Pessoas: A Responsabilidade dos Partidos Políticos”, contou com o pronunciamento inicial do secretário geral do PCC e presidente da China, seguido por dezenas de participações de outros partidos e países. O encontro gerou um documento que pode ser acessado pelo link (há o recurso da tradução).

Inicia-se um novo internacionalismo, com características bem distintas de outras iniciativas anteriores, e que se propõe a ser um espaço amplo de articulação política que pode consolidar uma mudança na Geopolítica e na Economia global. Uma mudança que já se colocou com grande força no cenário internacional, distinta do unilateralismo beligerante da hegemonia estadunidense e do receituário econômico recessivo e estimulador da financeirização da Economia e do Neoliberalismo. Essa mudança que se afirma tem nos países emergentes, China, Rússia, Índia, África do Sul, no Brasil até o ano de 2016 e vários outros, o seu início e impulso, com os BRICS e outras estruturas internacionais. 

O internacionalismo progressista e de esquerda foi iniciado ainda no século XIX, como uma ação de Karl Marx e Friedrich Engels, que criaram a 1ª Internacional Comunista. Os antecedentes dessa organização remontavam à Associação Internacional dos Trabalhadores fundada por Marx e Engels, em Londres, no ano de 1864, quando, pela primeira vez na história, diferentes organizações de distintos países se reuniram na compreensão de que apenas uma transformação mundial das bases da Sociedade poderia apresentar alternativas sustentáveis para a libertação do ser humano.

Essa Primeira Internacional se extinguiu em 1876, mas Friedrich Engels promoveu a criação de uma Segunda Internacional, em Paris, no ano de 1889, que reuniu partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas. Por conta da Primeira Guerra Mundial, quando os partidos social-democratas apoiaram o conflito em seus países e acabaram endossando o genocídio generalizado, especialmente dos trabalhadores e pobres que eram os que morriam nos campos de batalha, houve uma cisão da Segunda Internacional entre socialistas reformistas e revolucionários, estes últimos contra o envolvimento na Guerra Mundial. Os grupos socialistas revolucionários realizaram uma Conferência de Zimmerwald, em setembro de 1915 e a Conferência de Kienthal, em abril de 1916, ambas na Suíça, mas foi o impulso da Revolução Russa Bolchevique de 1917 que moldou a Terceira internacional, em março de 1919, em Petrogrado, União Soviética.

A Terceira Internacional (1919-1943) não era uma federação de partidos comunistas nacionais, mas um partido internacional formado por seções nacionais, com os objetivos de lutar pela superação do capitalismo, o estabelecimento da ditadura do proletariado e da República Internacional dos Sovietes, a completa abolição das classes e a realização do socialismo, como uma transição para a sociedade comunista. Em 2021, a proposta é muito distinta na composição desse fórum, da sua forma de organização e nos seus objetivos. O amplo leque ideológico dos partidos convidados do Brasil para o encontro demonstra de imediato que não se trata da reedição das experiências anteriores.

O documento publicado expressa o desejo dos signatários de que haja uma mobilização mundial pelo bem-estar da humanidade, pela busca da Paz, da Justiça, da Democracia, da distribuição das riquezas. Faz-se a ressalva de que cada país deve encontrar seu caminho próprio para construir uma sociedade em que o bem estar geral deve ser perseguido, não devendo haver uma concentração de renda, fome, miséria ou iniquidades, e que o destino da Humanidade é crescer conjuntamente rumo ao desenvolvimento social e econômico de forma equitativa.

Esse respeito pelos caminhos próprios e singularidades pressupõe o respeito à soberania nacional e uma crítica ao unilateralismo que muitas vezes predomina na Geopolítica, com uma única superpotência ditando seu modelo econômico e político, sem deixar de lançar mão de intervenções militares abertas ou estimular a desestabilização dos governos dos países. O próprio conceito de Democracia deve ser referendado em cada país pelos seus próprios parâmetros, e é rechaçado o discurso de que uma versão de “Democracia” deve ser implementada à força em determinados países pelos interesses dos dominantes no mundo.

Há uma compreensão da necessidade do respeito às diferenças culturais e de termos um processo de integração baseado na troca dos diferentes e não na homogeneização das culturas, com o estímulo ao multilateralismo em que diferentes países podem contribuir com a harmonia global, no documento sintetizada como “uma paz duradoura, segurança universal e prosperidade comum”.

É muito interessante o conceito de desenvolvimento econômico defendido, que tem como referência a Agenda 2030 das Nações Unidas e a defesa da Organização Mundial do Comércio pela liberalização e a facilitação do comércio e do investimento, num discurso que desarma os interlocutores do neoliberalismo. Hoje os Estados Unidos reforçam uma guerra comercial com proteção tarifária contra os produtos chineses, e práticas de liberalização do comércio passam longe do que esse país pratica, assim como os países europeus. 

O desenvolvimento econômico deve se basear na cooperação, no compartilhamento da Ciência e da Tecnologia, em projetos de desenvolvimento econômico em todas as regiões do globo, especialmente da indústria e do capital produtivo. Projetos audaciosos de integração econômica continentais e transcontinentais, como a Nova Rota da Seda (One Belt, One Road), reúnem dezenas de países com grandes projetos de infraestrutura, comércio, construção de portos, aeroportos, estradas de ferro, rodovias, oleodutos e investimento de energias renováveis. Esse campo político mundial afirma: “A cooperação infraestrutural e industrial deve ser aprofundada para garantir a estabilidade e o bom funcionamento das cadeias industriais, cadeias de abastecimento e ambiente de financiamento, em direção a um nível mais alto de interconectividade.” Estranho o momento atual, quando os países anteriormente defensores do livre mercado se aferram ao protecionismo e a sanções econômicas, para tentar frear o desenvolvimento de países socialistas.

Há um foco muito grande no desenvolvimento humano, especialmente com a eliminação de toda forma de vulnerabilidade social, como fome, miséria, violência, carência de serviços de Educação e Saúde. Isso é perfeitamente possível de alcançar, pois a China foi um bom exemplo de como se pode tirar 800 milhões de pessoas de uma situação de extrema pobreza e fome em 40 anos e colocar todos em um patamar de dignidade material num país com crescimento rápido, oferta de Educação em todos os níveis e um controle da pandemia. De junho de 2020 até julho de 2021, apenas três pessoas morreram de Covid-19, enquanto no Brasil mais de mil pessoas morreram diariamente durante esse mesmo período. O desenvolvimento econômico é ao mesmo tempo o motor do desenvolvimento social e se beneficia desse desenvolvimento para ampliar suas atividades econômicas.

Uma marca muito distinta de outras propostas de internacionalismo do passado é a preocupação com o desenvolvimento sustentável, com o conceito da “equidade intergeracional” ou da solidariedade intergeracional, que não é inédito, mas é importante que seja referendado por tantos países e partidos políticos. Não temos o direito de destruir o meio ambiente com o efeito estufa, a acidificação dos mares, a queima dos biomas e suas biodiversidades, o uso dos recursos naturais de forma desenfreada e não sustentável, dessa maneira comprometendo a sobrevivência das futuras gerações. Precisamos perceber que já chegamos num nível de degradação ambiental, extinção em massa de espécies e inviabilização da sobrevivência em vastas extensões da Terra em que há uma ameaça à geração que agora vive, e não somente às futuras. Caso não mudemos o padrão de consumo, as energias utilizadas e a destruição dos biomas, em 20 anos não teremos como reverter essa catástrofe ambiental.

Um internacionalismo de novo tipo está se estruturando, com preocupações que abrangem até as novas tecnologias, a governança digital, a segurança das pessoas e a busca pela Saúde Universal, com a defesa de vacinas para todos e a criação de um “SUS” internacional. Uma ação coordenada de todos os povos é inadiável, os problemas que nos afligem não são circunscritos às fronteiras nacionais e os impactos de iniquidades sociais e desastres ambientais de um país afetam todo o planeta. 

Do espaço, não é possível ver as fronteiras nacionais, e o que os astronautas e cosmonautas sempre dizem quando estão em órbita é: a Terra é uma só, é muito bela, interligada no seu ecossistema e ao mesmo tempo é muito frágil. A atmosfera é uma fina pátina que envolve a rocha do planeta, muito tênue e tem sido destruída pela ação antrópica. Precisamos ter esse sentimento de universalismo, da Humanidade como um todo, para criarmos uma nova sociedade planetária onde nossas prioridades sejam outras.
 

Edição: Elen Carvalho