Bahia

Coluna

O protagonismo da mulher negra e a semente da vanguarda revolucionária

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As mulheres negras fazem parte da parcela da classe trabalhadora que mais sofre com o processo de estratificação, exploração e opressão a partir de sua cor e de seu sexo. - Comunicação do MAB
É nossa tarefa reconhecer o protagonismo das mulheres negras baianas nas lutas populares

O racismo e o machismo, enquanto elementos estruturais, têm demarcação específica no processo da conformação das sociedades latino-americanas e caribenhas, especialmente no processo de ascensão, consolidação e desenvolvimentos do capitalismo nestes territórios. Estamos falando de processos de produção do trabalho e das relações de trabalho desenvolvida a partir de “formas sistemáticas de discriminação que tem a raça como fundamento [...] que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”, segundo Sílvio Almeida, no livro “Racismo Estrutural”, de 2019. Estes processos se arrastam séculos a fio e chegam aos dias atuais de forma ainda mais perversa e destrutiva.

Com a pandemia agravou-se ainda mais tais condições sociais e marcas profundas foram trazidas para a população negra, especialmente para as mulheres negras. Além da falta de espaço no mercado de trabalho, com o número de desempregadas negras serem quase o dobro da taxa de desemprego geral de alguns países, as mulheres negras ainda enfrentam a dupla jornada de trabalho. Segundo pesquisa da Oxfam, 41% das mulheres que mantiveram seus trabalhos durante a pandemia afirmaram que passaram a trabalhar mais ainda agora.

Outro dado revelador da situação de vulnerabilidade das mulheres negras é o do aumento dos casos de violência dentro das residências. De acordo com a ONU, sete em cada 10 mulheres no mundo já sofreram algum tipo de agressão, sendo que em países como o Brasil a maioria das vítimas são de mulheres negras. Constata-se que as mulheres negras acabam por ser a parcela da classe trabalhadora que mais sofre com o processo de estratificação, exploração e opressão a partir de sua cor e de seu sexo, que se desdobram em intensificação das explorações e opressões por origem, orientação sexual, religião, idade, escolaridade, nacionalidade, etc.. 

Na Bahia, esta realidade não é diferente. Com um quadro de mais de dois milhões de pessoas em condição de extrema pobreza, destaca-se o fenômeno da feminização da pobreza. Ou seja, são majoritariamente mulheres em situação de miséria e desta, a maioria são mulheres negras. Elas vivenciam situação de desemprego sistêmico, violência, precarização da vida e do trabalho. E se encontram em situação de risco seja por conta da pandemia, seja por conta da insegurança vivenciada diariamente em seus territórios. As mulheres negras com idade entre 20 e 30 anos também são alvo da situação degradante da mortalidade feminina e juvenil vinculado ao projeto de feminicídio e extermínio da juventude periférica.  

Nesse sentido, entendemos e defendemos que é preciso dar um basta neste estado de coisas, e para isso é central colocar as demandas das mulheres negras como política de estado e assegurar que suas vidas sejam garantidas com dignidade em acesso a direitos e participação ativa nos processos políticos e econômicos que determinam suas vidas. Como diz Angela Davis: "Quando a mulher negra se movimenta, toda estrutura da sociedade se movimenta com ela" e a mudança na realidade de vida das mulheres é a base para construção de um mundo fraterno, justo e solidário. 

Com isso, cabe destacarmos aqui que são estas mesmas mulheres que vêm se organizando em seus locais de moradia, majoritariamente nas periferias, fazendo esta realidade de mudanças necessárias acontecer, fortalecendo seus territórios e forjando novas mulheres dirigentes para o processo de defesa e garantia de direitos. E, nesta pandemia, se muito da solidariedade de classe aconteceu no Brasil e, também na Bahia em particular, foi porque as mulheres negras, vinculadas a movimentos sociais ou não, se colocaram como vanguarda de ações de solidariedade em muitas cidades, a exemplo das ações nos municípios de Salvador, Candeias, Feira de Santana, Jequié, Vitória da Conquista, Caetité, Ilhéus, Itabuna e tantos outros municípios. Seja na produção de marmitas, distribuição de cestas básicas, materiais de higiene e cuidado pessoal, seja nas ações de agentes populares na conscientização, luta por direito à vacina e acompanhamento das demandas de cada comunidade. 

Foram as mulheres negras, majoritariamente, que, mesmo diante de tantos retrocessos, se mobilizaram para ver seus direitos e de sua comunidade serem respeitados e garantidos de modo a se tornarem referências locais e, ao mesmo tempo, o porto seguro da comunidade. São lutadoras do povo que, nesta pandemia, vem demarcando como o protagonismo da mulher negra não é uma questão menor, mas se qualifica como semente da vanguarda da luta revolucionária.

E neste mês de memória e comemoração da luta e resistência da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha é nossa tarefa reconhecer o protagonismo das mulheres negras baianas nas lutas populares nacional e estadual, abrindo caminho para que continuem forjando a vanguarda que necessitamos para os processos de revolução em nossa afroamerindia.
 

Edição: Jamile Araújo