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Coluna

Observatório Nacional da Educação Integral: uma agenda diferente na Educação

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Experiências de Educação Integral, que é mais ampla do que “educação de tempo integral”, estavam na Escola Parque em Salvador em 1950. - Reprodução
A Educação deve ter uma prática libertadora que contribua para a transformação social

O Observatório Nacional da Educação Integral, sediado e impulsionado pela Universidade Federal da Bahia, foi criado e lançado no ano passado, em 5 de novembro, e reúne professoras e professores da Educação Básica e Superior, estudantes de graduação e pós-graduação, gestores/gestoras, bem como grupos de pesquisa, Universidades e organizações sociais comprometidos com a construção da agenda política e pedagógica da Educação Integral no Brasil. A construção dessa agenda, numa articulação nacional e multi institucional, visa se contrapor à lógica mercantilista de Educação implementada desde o governo Temer, e agora acrescida com a proposta de militarização de escolas, da “Escola Sem Partido” e da destruição das universidades e institutos federais de Educação pelo governo Bolsonaro. 

A concepção de Educação Integral se notabiliza pela ação do educador baiano Anísio Teixeira, tendo sido apoiada pelo Movimento dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, e posteriormente com a parceria de Darcy Ribeiro. Experiências de Educação Integral, que é mais ampla do que “educação de tempo integral”, estavam na Escola Parque em Salvador em 1950, nas escolas parques de Brasília e Rio de Janeiro, nos CIEPs ( Centros Integrados de Educação Pública) do Rio de Janeiro no momento em que Darcy foi secretário de Educação do Estado em 1983, e nas experiências dos CEUS (Centros Educacionais Unificados) em São Paulo, a partir de 2001.

Esta agenda da Educação Integral foi impulsionada, no contexto histórico recente, pelo Programa Mais Educação, ação indutora da política de Educação Integral, componente do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da Educação que, entre 2007 e 2016, chegou a 60 mil escolas públicas e a mais de 7 milhões de estudantes do ensino fundamental.

a cidade deve se constituir num território educativo que articule espaços e tempos complementares à Educação hoje existente, como uma CIDADE EDUCADORA.

Compreendemos que a Educação deve ser Integral, inspirados por Anísio Teixeira, e que a cidade deve se constituir num território educativo que articule espaços e tempos complementares à Educação hoje existente, como uma CIDADE EDUCADORA. Além disso, a Educação deve ter uma prática libertadora que contribua para a transformação social e a formação de cidadãos e seres humanos solidários que vivam e respeitem as diversidades e as culturas presentes no tecido social.

A Educação Integral pressupõe a Educação com jornada estendida, que deve ser perseguida, embora seja mais do que isso, pois deve compreender também o processo educativo de forma mais ampla, que estimule a formação do educando em diversos campos do Conhecimento, da Ciência e da Cultura, e que deve prepará-lo para o exercício da Cidadania e para a convivência em Sociedade com respeito às diversidades de gênero, de orientação sexual, étnico racial, religiosa, cultural, política. Uma Educação Integral prepara para a vida, para a cidadania, para a Cultura, para a Ciência e para o mundo do trabalho. 

deve ser estimulada sua curiosidade científica, sua sensibilidade cultural e a valorização de sua identidade, simultaneamente ao respeito às outras identidades.

Uma Educação Integral, como defendida por Anísio Teixeira e os “Pioneiros da Educação Nova”, pressupõe a Educação separada das religiões, Educação laica, voltada para o mundo civil, pública, gratuita, oferecida pelo Estado, universal. A Educação Integral deve permitir que o estudante se prepare para o mundo do trabalho, mas não somente. Ela prepara ao mesmo tempo para os estudos superiores (universidades) com uma formação significativa e avançada, para permitir o desenvolvimento das diferentes potencialidades das crianças e dos jovens. Compreendemos que existem múltiplas inteligências, e os jovens não devem ser tolhidos numa educação adestradora e formatadora, apenas voltada ao “mercado”. Há aqueles que se desenvolvem mais nas Artes, na Cultura, nos Esportes, ou nas Ciências. Os estudantes devem ter uma Educação Integral que compreenda que o seu desenvolvimento deve ser intelectual, mas também físico, lúdico, motor, que deve ser estimulada sua curiosidade científica, sua sensibilidade cultural e a valorização de sua identidade, simultaneamente ao respeito às outras identidades.

A Educação deve ter uma integração com as políticas públicas de Cultura, Saúde, Ciência e Tecnologia, o que inclusive já é hoje definido por lei e pelas resoluções do Conselho Nacional de Educação, a chamada “Intersetorialidade”. Os espaços públicos das escolas devem ser “pontos de cultura”, na concepção elaborada pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016, e as escolas devem garantir, através de sua abertura à comunidade, espaços para as diversas linguagens culturais, para a formação de plateia e espaço de criação e recriação cultural. 

A política de Saúde deve estar presente nas escolas na redefinição do cardápio escolar para criar hábitos alimentares saudáveis, na garantia da Educação e informação sexual para o planejamento familiar, na criação de uma política preventiva de saúde visual, auditiva, odontológica, psicológica e nutricional. Ao mesmo tempo em que o jovem se beneficia dos aspectos preventivos e de promoção da Saúde, ele se torna vetor de promoção de Saúde para toda a família. Vários estudos demonstram ser essa uma estratégia muito eficiente para a Saúde das famílias. 

A relação com a Ciência e Tecnologia é evidente, seja na formação de professores para a área de Ciências, ou para a criação de espaços de Ciência e Cultura para turno oposto ao das aulas das escolas. As deficiências em nosso ensino de Ciências devem estimular uma ação concatenada entre a Educação Básica e as universidades. O Programa de Iniciação à Docência (PIBID) e da Residência pedagógica (RP) tem apresentado bons resultados na formação de novos professores e na discussão de novas metodologias nas escolas. 

Como é informado no site do Observatório: “No contexto da celebração dos 10 anos do Decreto Presidencial 7.083/2010, que regulamentou o Programa Mais Educação (PME), a organização deste Observatório contribuirá para reunir memórias e atualidades das políticas públicas e das práticas pedagógicas construídas e implementadas no campo da educação integral no Brasil, tanto relativas ao PME e a seus desdobramentos, quanto em relação às Escolas-Parque, aos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), aos Ginásios Vocacionais, aos Centros de Educação Unificada (CEU), aos Círculos de Cultura, entre outros. Também reunirá referências a outras experiências e práticas em curso que honrem o princípio e o direito de todas/todos a formação humana integral e mantenham vivos os pressupostos do pensamento e da ação de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Maria Nilde Mascelani, Florestan Fernandes, Paulo Freire e outros/as homens e mulheres.”

O Observatório se torna um ponto de encontro de Universidades, grupos de pesquisa, de gestores públicos em busca da divulgação de experiências ou de conhecer novas iniciativas nesse campo, e de movimentos sociais do campo da Educação e outros que incidem na Educação. Manter a memória teórica viva, fazer o registro histórico de experiências de Educação Integral e preparar o terreno para a afirmação de uma agenda diferente na Educação no momento atual são tarefas que se entrelaçam e fortalecem. E se tornam necessárias no momento em que se assiste ao ataque feito pelo governo federal e setores obscurantistas à Ciência, à Educação, às Universidades Públicas e Institutos Federais de Educação (inclusive com sua destruição pelo corte de orçamento), à Cultura e aos artistas, a todos os que defendem uma sociedade mais inclusiva, menos desigual e democrática.

Essa articulação de movimentos sociais (sindicais, de mulheres, de combate ao racismo, LGBTQI+, de juventudes e outros), universidades e gestores públicos é fundamental para recuperar o sentido de nosso Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014. Essa concertação também visa superar uma visão de Educação que tem uma compreensão de que deve haver uma Educação voltada aos filhos da classe trabalhadora, que prepara esses jovens para funções pouco elaboradas, repetitivas e pouco remuneradas; e outra Educação para os filhos da elite se inserirem na Universidade, reproduzindo as classes sociais e impedindo a mobilidade social baseada no mérito.

A Sociedade tem passado por alterações radicais nos últimos anos, entretanto isso vem ocorrendo sempre de forma excludente e concentradora de renda, com destruição de empregos ou precarização dos mesmos, e por uma voracidade no consumo e na destruição dos recursos naturais. Para mudarmos isso e transitarmos para uma Sociedade do Conhecimento inclusiva, precisamos planejar, implementar e acompanhar uma nova estrutura social do conhecimento. Na contemporaneidade a centralidade do poder e da riqueza está no conhecimento, na Ciência e na inovação, a apenas uma Educação Integral e não adestradora, uma educação ampla que ensine a pensar, a questionar, a criar, a criticar e a aprender constantemente pode cumprir com o objetivo de inserir o Brasil num projeto de desenvolvimento nacional, de superação da miséria e da pobreza, de reindustrializar o país. 

Quando falamos em Sociedade do Conhecimento Inclusiva falamos da “Revolução 4.0”, que envolve a internet 5 G, a automação industrial, a robotização de toda a produção e o uso intensivo da Inteligência Artificial. Nessa sociedade ganham espaço as “indústrias criativas”, que pressupõe um investimento forte em Educação - seja como setor econômico forte e empregador ou como formação para entrarmos nessa fase das indústrias criativas. 

Nós situamos a Educação nesse âmbito, como parte e força propulsora rumo a uma nova Sociedade baseada no Conhecimento. Indústrias criativas podem ser definidas como toda atividade econômica onde o central é o Conhecimento, a Ciência, a Cultura, as Artes, a Tecnologia e a inovação. O processo de automação industrial e inteligência artificial tem diminuído as opções de trabalho nas indústrias tradicionais, mas podemos instituir outras atividades que podem criar outras oportunidades, que demandam uma formação de qualidade, permanente, por toda a vida e diversificada. O núcleo criativo dessas indústrias culturais tem como exemplos não exclusivos: Educação, Artes Cênicas, os serviços de Saúde, Artes, Música, Filme e Vídeo, Tv e Rádio, Mercado Editorial, Software, Computação e Telecom, Pesquisa e Desenvolvimento, Biotecnologia, Arquitetura e Engenharia, Design, Moda, Expressões Culturais, Publicidade, Ciências dos materiais, aparelhos para gravação e transmissão de som e imagem, instrumentos musicais, metalurgia, equipamentos de informática e produção de hardware, equipamentos eletroeletrônicos, têxtil, cosmética, equipamentos de laboratório e fabricação de mobiliário. 

A Educação Integral pode concatenar essas diferentes demandas, pois o trabalhador do presente e do futuro próximo é um trabalhador intelectual, onde o conhecimento, a inovação, a habilidade de trabalhar em equipe, dentre outros, são atributos mais importantes do que força física ou capacidade de repetir movimentos numa linha de produção. E essa formação desse novo trabalhador não pode desprezar os aspectos sociais e políticos dessa sociedade em transformação, que pode seguir caminhos opostos, a depender da orientação política dominante: uma sociedade inclusiva e democrática; ou uma sociedade com a maior parte das pessoas excluídas do trabalho, na miséria e indigência.

Para acessar o Observatório, use o link http://www.observatorioeducacao.ufba.br/, e para integrar o mesmo, realize o cadastro (participantes /organizações) disponibilizado em aba específica e/ou envie suas sugestões e questões para o e-mail [email protected].
 

Edição: Elen Carvalho