Essa realidade competitiva e tecnológica tem potencial predatório e tem precarizado os trabalhadores
A geopolítica mundial está em constante disputa. As novas relações entre capital e trabalho estão em constantes mudanças. Novas nomenclaturas tais como “tecnologia 4.0”, “Indústria 4.0”, “internet das coisas" estão cada vez mais no seio das discussões no meio acadêmico, empresarial e governamental. A “Indústria 4.0” é uma expressão que foi forjada, capturada e que traduz a política desse novo contexto neoliberal, visando manter a dianteira global em projetos e na construção de máquinas e equipamentos inteligentes, esforço articulado que reúne governos, empresários e acadêmicos para a reprodução sistemática da mais valia dos trabalhadores.
E dentro dessa corrida têm se desenvolvido uma busca constante por um posicionamento estratégico nos campos da nova indústria, como o armazenamento e tratamento de dados (inclusive dentro do campo econômico), busca por novas matrizes energéticas, maior produtividade nos processos produtivos.
Obviamente que esse tema abrange muitas outras questões. Essas novas tecnologias têm alterado o setor de serviços, comércio, hospitalar, agropecuário, de exploração mineral e possibilitando novos negócios, como uma infinidade de serviços oferecidos por plataformas digitais, acumulando uma quantidade nunca vista de dados. Não por acaso, as grandes potências mundiais (países e corporações) investem somas vultosas nestes campos e travam verdadeiras guerras pelo domínio destas tecnologias, a exemplo da disputa pela hegemonia da tecnologia “5G", envolvendo China e EUA.
Neste cenário de avanços tecnológicos, vou abordar 3 aspectos que são centrais nessa disputa principalmente entre China e EUA.
Ponto de vista econômico
Sabemos que, atualmente, o que rege o mundo das finanças é o padrão “petrodolar”. Esse padrão permanece desde o fim do tratado de Bretton Woods. Com as novas tecnologias das criptomoedas, a China recentemente iniciou testes de uma moeda digitalizada, chamada e-RMB. Na prática, isto diminui enormemente o poder americano de influenciar os fluxos comerciais por meio de ajustes em seu câmbio.
Desafiar o padrão dólar talvez seja um dos maiores golpes da China em tempos da chamada “guerra comercial e tecnológica” contra a hegemonia estadunidense. A descontinuidade (mesmo que em “testes”) da maior economia mundial desse sistema poderá ser desastrosa para a economia americana, uma vez que seu principal veículo de financiamento se dá justamente pela impressão da moeda demandada, obrigatoriamente, pelo mundo inteiro.
Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), essas novas tecnologias financeiras terão papel decisivo na reconfiguração do sistema financeiro global nos próximos anos, quem sabe, reposicionando as moedas hegemônicas.
Ponto de vista energético
Na corrida pela mudança das matrizes energéticas, a mudança do consumo de energias fósseis pelas energias renováveis é apenas mais uma variável das narrativas (do ponto de vista ambiental) para os ganhos extraordinários da acumulação capitalista. Esse tema, também, torna-se estratégico, pois, para além do discurso ambiental, é uma corrida tecnológica da infraestrutura do processo produtivo. Equivale a um enorme ganho real de produtividade com a "internet das coisas”, pois exige mais energias e mais equipamentos que permitam armazenar e consumir essa energia.
Com isso, a China novamente sai na frente, mesmo que contraditoriamente. É o país que mais consome combustíveis fósseis no mundo, contudo é o país que mais investe em tecnologias renováveis tais como solar, eólica e hidráulica. Recentemente, dando um salto tecnológico, as autoridades chinesas anunciaram que colocaram em funcionamento um reator direcionado para gerar energia por fusão nuclear.
Não estamos em um filme de ficção científica: este reator é capaz de gerar temperaturas de 150.000.000º C, o que o levou a ser chamado de "sol artificial". Essa geração de energia é uma maneira de produzir energia limpa e praticamente inesgotável. A fusão é diferente da fissão nuclear que produzimos atualmente. A fusão nuclear não gera lixo tóxico, como na fissão nuclear. Contudo, levará alguns anos para controlar e transformar essa energia para o consumo.
Ponto de vista industrial
Um dos conceitos da tecnologia 4.0 é a integração de processos em uma indústria, permitindo visualizar todas as etapas de um único processo ou todos os processos em tempo real e de forma remota. Esta integração apresenta uma peculiaridade, pois garante a centralização e o controle dos processos com o compartilhamento do trabalho produzido junto aos "gestores" da indústria. Para aumentar sua eficiência e produtividade, os processos podem se tornar automatizados, com máquinas inteligentes que analisam dados de sensores e ajustam todo o processo autonomamente.
A China, sem demora, em 2019, lançou em suas estradas caminhões elétricos e autônomos, nos arredores de Xangai transportando contêineres das fábricas chinesas até o porto de Yanshan. Esses testes sempre contavam com um profissional motorista para quaisquer eventualidades. Não houve nenhum registro de acidentes. Passado esse período de testes e com base nessa experiência com caminhões de cargas, a China aprovou, recentemente em suas estradas, 5.000 caminhões autônomos e elétricos… sem nenhum profissional motorista!
Está em curso, o que podemos chamar, sim, de REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Esta realidade altamente competitiva e tecnológica tem potencial predatório e visa baratear o custo de produção, maximizar o acúmulo dos lucros e tem precarizado e empobrecido os trabalhadores.
Todavia não podemos cair em uma dicotomia do tipo “neoludismo”. O problema central não se encontra nessa nova tecnologia 4.0, que, na realidade, significa o aprofundamento das forças produtivas dentro do sistema capitalista.
Mas, o que esperar dessa disputa: um novo patamar energético, limpo? Um novo patamar industrial, reduzindo os custos e tempos da reprodução e acúmulo capitalista? Um novo sistema financeiro? A superação desse sistema? Ou apenas uma mudança da hegemonia de super potências, saindo dos grandes conglomerados privados - representado pelos Estados Unidos - pelo poder do Estado - representada pela China?
De uma coisa tenhamos certeza: sem a classe trabalhadora discutindo, participando, organizando-se, enquanto protagonista dessas mudanças, não haverá superação desse sistema.
Edição: Elen Carvalho