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DESAFIOS

Volta às aulas nas escolas públicas baianas: quais os principais desafios?

Para refletir sobre o assunto, entrevistamos Alessandra Assis, coordenadora do Fórum Estadual de Educação da Bahia

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
A partir do dia 15 de março estudantes baianos voltam às aulas, inicialmente em modelo 100% remoto. - Claudionor Jr./ SECBA

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), e o secretário estadual de educação, Jerônimo Rodrigues, anunciaram, na última semana de fevereiro, o início do ano letivo 2020/2021 da rede estadual no dia 15 de março, inicialmente em modelo 100% remoto, bem como os passos adotados para a preparação do retorno. Pela proposta da secretaria, a realização dos anos letivos de 2020/2021 irá até o dia 29 de dezembro, com 1.500 horas de atividades. Para isso, serão selecionadas plataformas digitais qualificadas, cadernos de conteúdo e livros didáticos para garantir o ensino e a aprendizagem na primeira fase do ano letivo.

Segundo Jerônimo, a TVE continuará sendo utilizada para o ensino remoto. “Agora com um canal específico, o Educa Bahia, para que a gente possa deixar permanente, durante todo o dia, as atividades programadas de educação e as lives que nós achamos importantes”.

Diante deste importante tema, conversamos sobre o retorno às aulas na rede estadual com Alessandra Assis, professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Alessandra é doutora em Educação e coordenadora do Fórum Estadual de Educação da Bahia (FEEBA). 

A professora afirma que o FEEBA defende que "o direito à vida não se contrapõe ao direito à educação", e ressalta que é preciso envolver, no planejamento do retorno e na elaboração do plano de ação da escola, professores, estudantes e famílias. Confira a entrevista.


 

Brasil de Fato Bahia: Como avalia esse retorno, quais são os prós e os contras envolvidos?

Alessandra Assis: O governador Rui Costa tem tratado a crise sanitária com muita responsabilidade e sensibilidade, priorizando a vida, buscando atender à toda população em suas demandas, sejam as camadas mais populares, que precisam do básico para sobreviver, sejam os grupos com melhor poder aquisitivo, que têm empresas e negócios que precisam ser mantidos. Com o agravamento da pandemia e consequente prorrogação da suspensão das aulas presenciais, é necessário que as crianças, jovens e adultos tenham oportunidade de acesso ao conhecimento, ainda que, excepcionalmente, de modo não presencial.

O Fórum Estadual de Educação, espaço de discussão e monitoramento das políticas de educação, que articula representações da sociedade civil e do governo, vem defendendo que "o direito à vida não se contrapõe ao direito à educação". Ademais, vem se posicionando, veementemente, contra o negacionismo do governo federal, entendendo que o mesmo conhecimento que salva vidas, também transforma as vidas de milhões de brasileiros que dependem da escola pública para garantir seu desenvolvimento pleno, sua formação para a cidadania e preparação para o trabalho.

Assim, é fundamental que o Estado assuma o dever de assegurar educação para todos, criando as condições necessárias para enfrentar a desigualdade de acesso às tecnologias, encontrando soluções adequadas a cada realidade específica, em diálogo permanente com as escolas, professores/as, estudantes e famílias.

Serão dois anos letivos (2020 e 2021) em um ano só, com 1500 horas de aulas, até o mês de dezembro de 2021. Quais são as possíveis contradições envolvidas em ter dois anos letivos em apenas um ano?

Naturalmente, a sociedade está familiarizada com o alinhamento entre Ano Letivo e Ano Civil. Mas é importante compreender que a crise sanitária atual nos impõe contingências semelhantes a uma guerra de proporção planetária. Medidas excepcionais são necessárias em todas as áreas. No documento elaborado pelo FEEBA, intitulado "Contribuições para o Calendário Escolar Continumm 2020/2021", discute-se a necessidade de um Regime Especial de Reorganização da Carga Horária, para assegurar o mínimo de horas letivas exigidas por lei, sem prejuízo ao aprendizado, garantindo os conteúdos essenciais para as diferentes séries/anos. Isso não significa sobrepor um ano sobre o outro, significa reorganizar o tempo escolar, os objetivos de aprendizagem.

O que muita gente não sabe é que o currículo escolar é objeto de disputas de grupos que pretendem, isoladamente, decidir sobre o que deve ser ensinado, como e quando, isso devido ao controle ideológico sobre que sujeito se pretende formar na escola, e por causa dos interesses econômicos, que fazem da escola mais um nicho lucrativo de compra e venda de livros, materiais didáticos, serviços de formação de professores. Por isso, o FEEBA defende que a reorganização do currículo seja feita pela escola, observando as diretrizes definidas por lei. A escola tem competência técnica para selecionar os conteúdos essenciais em cada contexto onde se insere, seja na cidade, no campo, na aldeia indígena, nas comunidades quilombolas, entre outros espaços. A escola conta com profissionais qualificados, graduados e, às vezes, com pós-graduação em cursos específicos voltados sobre o ensino nas diferentes áreas de conhecimento.

É na escola, no uso de sua autonomia didática prevista em lei e a partir de relações concretas entre conhecimento e realidade dos estudantes, que tanto o currículo precisa ser elaborado, quanto as soluções específicas para a organização da carga horária letiva precisam ser planejadas e desenvolvidas, sempre, repito, observando os parâmetros legais estabelecidos pelo direito à educação.

Quais são as possíveis dificuldades e desafios encontrados pelos educadores e educandos, seja na fase 100% remota, na híbrida (3 vezes na semana presencial e 3 vezes remota) e na 100%presencial (sem data e a mercê do controle ou avanço da pandemia da covid-19)?

A escola pública acumula dificuldades oriundas de séculos de descaso com a educação, aliado a grave desigualdade social que remonta à origem da organização da sociedade brasileira. No século passado, Anísio Teixeira dizia que educação não poderia ser tratada como um privilégio ou todo o funcionamento do sistema social ficaria comprometido. Por isso, a implementação de medidas educacionais excepcionais no contexto da pandemia encontram tantos obstáculos.

As escolas têm estrutura física sucateada, a condição socioeconômica da maior parte das famílias é precária, a universalização dos serviços de telecomunicação mostra um atraso absurdo, considerando o disposto na própria legislação brasileira.  Isso implica na complexidade do retorno às aulas em cada fase proposta pelo governo, exigindo investimentos, preparação e acompanhamento permanente das ações, para que ajustes sejam feitos ao longo do processo de adequação do ensino ao contexto da pandemia. No documento do FEEBA, discutimos a importância de constituir comitês, no nível estadual, municipal e, principalmente, em cada escola para que seja possível a definição de diretrizes para o planejamento do retorno e a elaboração de plano de ação da escola, contextualizado e com a participação dos professores, estudantes e famílias, monitorado localmente, ajustado sempre que for necessário.

O que vemos como desafio mais difícil de superar, na verdade, é o entendimento equivocado sobre como lidar com um problema tão complexo, quando a opção é centralizar decisões, padronizar medidas sem nenhuma flexibilidade, excluir os diretores, professores e coordenadores pedagógicos do processo de decisão e construção de soluções específicas para a diversidade de realidades educacionais que temos, ainda mais em um estado tão grande, com tanta riqueza cultural, como é a Bahia. Por isso, esperamos que o secretário Jerônimo Rodrigues seja sensibilizado e, como Secretário de Educação do Estado da Bahia, possa atuar na coordenação das ações, em colaboração com os secretários municipais, assim como ouvindo os profissionais de educação e a sociedade, mobilizando os sujeitos da educação e respeitando a autonomia das escolas.
 

Edição: Elen Carvalho