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ELEIÇÕES

Prefeitura de Salvador: O que esperar da próxima gestão?

Para pesquisadora, se eleito, Bruno Reis reproduzirá gestão de ACM Neto, marcada por coalizões de interesse privado

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Carla Galvão é professora Departamento de Ciência Política da UFBA, pesquisadora do grupo Política: teoria, instituições e pensamento político e do Observatório das Metrópoles. - Arquivo pessoal

Últimos levantamentos antes das eleições municipais deste domingo (14) mostram Bruno Reis, atual vice de ACM Neto (DEM), com 48% das intenções de voto, o que corresponde a 61% dos votos válidos, consolidando suas chances de se eleger ainda no primeiro turno. Conversamos com Carla Galvão, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do grupo Política: teoria, instituições e pensamento político e do Observatório das Metrópoles, que faz um balanço da gestão de ACM Neto e reflete sobre expectativas e cenários da próxima gestão. Carla desenvolveu sua tese de doutorado sobre os dez anos de ACM Neto como parlamentar e, atualmente, analisa suas gestões na prefeitura especialmente em relação ao desenvolvimento urbano de Salvador.

BdF BA: Poderia fazer-nos um breve balanço do governo ACM Neto?
Carla Galvão:
Eu poderia caracterizar a gestão de ACM Neto nos últimos anos a partir de cinco grandes eixos: ajuste das contas públicas, especialmente através do aumento de impostos ligados ao uso do solo urbano; elaboração de um grande planejamento estratégico para a cidade; grandes projetos de requalificação urbana; incentivo ao turismo e à indústria de entretenimento; e reordenamento e controle do espaço urbano.

Sua gestão foi marcada por um governo empresarial com muitas reformas (reforma Tributária - IPTU, ITIV, Taxa de Foro e desafetação de imóveis da Prefeitura) no sentido de, segundo seu discurso, garantir a autonomia do município. Ele utilizou o solo urbano como um dos meios principais para galgar essa autonomia e também para conseguir autonomia política. Outra característica muito importante tem a ver com a racionalidade administrativa, a integração do Estado no espaço de trocas e no sistema de interdependência dos agentes econômicos através de forte coalizão com interesses privados.

No segundo eixo, a gente ressalta a criação do marco regulatório para prestação de serviços públicos - Parcerias Público-Privadas (PPPs) - e também as legislações urbanas que foram modificadas como o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (LOUOS). Esses instrumentos passaram por muitos processos de judicialização nos últimos anos. A participação social desses planos foi muito questionada, porque embora burocraticamente tenha seguido todos os trâmites legais, foi muito esvaziada de sentido político.

O terceiro eixo envolve um dos grandes cartões postais de sua gestão, muitas obras. A requalificação da Baía de Todos os Santos e da Orla Atlântica, toda uma discussão sobre enobrecimento de várias áreas da cidade, como o Mercado do Peixe, com um processo de gentrificação envolvendo a lógica do city marketing, além de obras como o Novo Centro de Convenções e o Projeto do BRT. No quarto eixo, o fomento de festas, Carnaval, parcerias e monopólios com cervejarias e incentivo ao turismo de sol e mar. Esses dois últimos eixos envolvem toda uma estratégia que busca colocar Salvador para competir pela divisão nacional e internacional do consumo.

No quinto eixo, com a criação da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP), a gente tem que questionar esse sentido de ordem, porque essa ideia tem que ser pensada, ordem para quem e com qual objetivo, para quem mora dentro, ou para quem vem de fora? Toda uma fiscalização das praias em relação à questão do ordenamento, aos trabalhadores informais, nas feiras e parques e em outros espaços públicos, a fiscalização no carnaval em relação ao monopólio de grandes cervejas; um sentido de ordem ligado à preservação de determinado interesse muito mais ligado a questões privadas do que à vivência dos próprios moradores da cidade.

Como você avalia a gestão de ACM Neto durante a pandemia? Sua atuação pode ter interferido na preferência do eleitorado pelo representante que ele apoia?
ACM Neto teve uma posição cooperativa com o governo do Estado, seguindo os parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Comitê Científico do Nordeste. Se pensarmos em termos de governança cooperativa foi um exemplo emblemático para o Brasil o quanto ACM e Rui Costa trabalharam em conjunto para o enfrentamento da pandemia, e os boletins dos pesquisadores, por exemplo, da Rede Covida, formada por UFBA e Fiocruz, mostraram o quanto as medidas adotadas foram importantes no sentido de evitar um efeito ainda mais nocivo da pandemia na nossa cidade. Sem dúvida nenhuma, um dos fatores para o favoritismo de Bruno Reis é uma avaliação positiva da gestão da pandemia. Acho que há um reconhecimento disso por parte da população. Além, claro, da posse da máquina pública, de uma boa avaliação da própria gestão, do número de votos de ACM nas últimas eleições (mais de 70% em todas as zonas eleitorais).

Embora Rui Costa também tenha tido uma avaliação positiva em Salvador em relação às medidas de enfrentamento da pandemia, me parece que a estratégia de pulverização das candidaturas não foi positiva e que as candidaturas de oposição tiveram certa dificuldade de mostrar as diferenças em termos de prioridades, em relação à gestão de ACM Neto, e é muito difícil desconstruir esse modelo que ele apresenta de eficiência, que é reconhecido quase que unanimemente pela população desde a última eleição. Faço aqui a ressalva quanto às campanhas de Olívia Santana (PCdoB) e de Major Denice (PT) quanto à importância da representatividade de gênero e de raça, sobretudo se pensarmos que Salvador tem cerca de 85% da sua população entre negros e pardos e tem as mulheres como maioria da população. Salvo essas diferenciações importantes todas as outras estratégias não têm se mostrado eficazes no sentido de diferenciar e propor outras prioridades a fim de disputar com a gestão de Neto, essa é minha sensação.

O que se pode esperar com a possível eleição de Bruno Reis? Ele seguirá as mesmas políticas de seu antecessor?
Acho que vai ser uma mesma lógica de gestão, para construção de uma cidade-mercadoria, competitiva frente ao mercado internacional. Parece-me que o discurso de Bruno Reis segue a mesma lógica de ACM Neto, no sentido de dizer que a gente precisa que Salvador ocupe o lugar que ela tem que ocupar, de que a cidade merece muito mais do que tem. Então, para ele a cidade já está “muito boa” com a gestão de ACM Neto, e seguindo essa mesma cartilha pode caminhar ainda mais para frente. Acho que Bruno Reis é uma liderança cria de ACM Neto que vai reproduzir essa mesma lógica do empresariamento na cidade.

“É preciso pensar em políticas públicas de geração de emprego, de diminuição da segregação social. A prioridade tem que ser quem mora aqui e não quem passa aqui

BdF: Quais são hoje as urgências de Salvador?
As pesquisas de opinião pública mostram que os setores que são reconhecidos pelo cidadão que mais precisam de investimento são saúde, educação e segurança pública. Claro que a gente tem que avaliar essas demandas a partir das suas responsabilidades, o que é do governo municipal, do estadual e do federal. Mas fundamentalmente é preciso pensar em políticas públicas de geração de emprego, de diminuição da segregação social, que priorizem o morador da cidade e suas demandas, sua vivência no espaço público; a prioridade tem que ser quem mora aqui e não quem passa aqui. A lógica do empreendedorismo urbano que tem como uma de suas prioridades a indústria do entretenimento passa pela necessidade de “mostrar a cidade para fora”. Por isso fazer “o melhor réveillon”, “o melhor carnaval”. Não estou dizendo que essas festas não sejam importantes na nossa cultura, mas é preciso pensar em outras prioridades. Uma gestão que não seja pautada fundamentalmente para um modelo que acaba ampliando a segregação e a desigualdade. É preciso priorizar a lógica do uso da cidade pelos seus cidadãos e não a lógica da cidade para produção.

Outro aspecto muito relevante é que Salvador entenda seu papel importante como polo da Região Metropolitana (RMS) e que as políticas sejam pensadas metropolitanamente. A experiência da Covid mostrou o quanto é possível o estabelecimento mínimo de pactos entre o governo do município e do estado para o bem comum da população. Salvador precisa reconhecer a entidade metropolitana, participar dela, construir coletivamente o planejamento e o enfrentamento de suas questões.
 

Edição: Elen Carvalho