Quem se apropria da renda gerada pelo petróleo é essencialmente o resultado de opções políticas
O Equador era um dos membros mais antigos da Organização do Países Exportadores de Petróleo (OPEP), mas com participação intermitente. Era um dos seus menores membros, entrando em 1973, saindo em 1992, retornando em 2007 com Rafael Correa e, como outros países latino americanos, tem uma história de aumentos e diminuições do papel do setor privado na sua indústria de petróleo.
O Equador saiu da OPEP novamente, agora em 2020, depois de um agravamento de suas condições fiscais, que resultou em busca de apoio do FMI em 2019, em um pacote de 4,6 bilhões de dólares e desembolso imediato de 652 milhões e possibilidade de mais 6 bilhões em novos empréstimos. As condicionalidades associadas a este pacote do FMI exigem medidas de austeridade fiscal, corte de salários, privatizações das empresas e redução de benefícios dos trabalhadores, provocando grandes protestos dos indígenas, quando os preços domésticos dos derivados foram reajustados.
No final de 2019, milhares de indígenas foram as ruas do Equador obrigando o governo de Lenin Moreno a deslocar a sede do governo para outra cidade e negociar com os revoltosos, depois do aumento dos preços domésticos de combustíveis. Segundo o FMI, os subsídios aos preços da gasolina e diesel estavam custando ao governo 1,6 bilhões de dólares anuais e sua retirada implicaria em elevar os preços da gasolina em 25% e dobrar o preço do diesel.
Os caminhoneiros do Brasil e o Coletes Amarelos da França já demonstraram a sensibilidade e potencialidade de explosão social desses preços, principalmente em governos sem legitimidade popular. Mesmo que eles proponham outros programas para minorar os impactos nos orçamentos familiares, as populações não acreditam nas promessas de novos programas e são mobilizadas para o protesto contra os aumentos presentes.
Os indígenas do Equador estavam perdendo suas áreas e mesmo tribos isoladas estavam sendo ameaçadas. Em 2019 o aumento dos combustíveis ameaçava a sua própria sobrevivência, aumentando os custos de suas atividades. Eles não confiavam no governo de Lenin Moreno.
Hoje, em 2020, o Equador está concluindo as negociações de um outro pacote de dívidas de 17,4 bilhões de dólares, com uma consolidação de vários títulos nas mãos dos credores privados, com uma certa redução de juros e do principal a ser ressarcido, com o qual o governo de Moreno quer aliviar as pressões sobre suas contas fiscais e cambiais. O FMI está apoiando o governo de Quito e deverá esperar mais medidas de austeridade, com consequências imprevisíveis sobre as reações sociais, depois da pandemia, que foi muito assustadora no Equador. O FMI deu um apoio emergencial para as ações contra a covid-19 e o país, que tem uma economia dolarizada desde o ano 2000, terá uma contração de 6,3% no PIB em 2020, segundo o organismo multilateral.
Durante o mandato do Presidente Rafael Correa, eleito em 2006, foram implementadas várias medidas para aumentar o papel do estado e aumentar a participação na renda petroleira no país. Com a queda do Correa, os governos subsequentes abriram o setor à participação estrangeira com contratos benéficos a essas empresas.
Correa aumentou as alíquotas dos impostos de renda aplicados sobre a empresas petroleiras de 30% para 50%, estabeleceu um imposto extraordinário de 99% de ganhos excepcionais e rompeu os contratos de E&P com a americana Occidental Petroleum. Forçou a transformação dos contratos de partilha de produção em contratos de serviços e aplicou várias limitações para a exploração de novas áreas exploratórias na Amazônia equatoriana. Até a Petrobras, que estava lá, de lá saiu.
Ela estava realizando atividades exploratórias no parque Yasuni, na parte sul da Amazônia equatoriana e foi forçada a sair, depois de vários protestos de ONGs internacionais e da posição do então governo de Correa, que queria ressarcimento internacional pela preservação da área como área de proteção ambiental, sem produção de petróleo.
O governo de Rafael Correa lançou um projeto em 2007, conclamando a comunidade internacional a doar 3,6 bilhões de dólares para impedir o desenvolvimento do projeto no parque Yasuni, no chamado Bloco 43. O projeto de buscar as doações foi interrompido em 2013, com doações equivalentes apenas a 10% do previsto. O mercado internacional não queria doar para a preservação da natureza, sem produção.
Hoje, o governo de Moreno está desenvolvendo um grande projeto de produção naquele Bloco 43, para produzir 1,6 bilhões de barris no parque Yasuni. O atual governo de Quito espera aumentar sua produção com investimentos no bloco Ishpingo- Tambococha-Tiputini (ITT). Ishpingo é um dos mais controversos campos do parque Yasuni porque faz fronteira com duas áreas de indígenas não contactados – os Tagaeri e os Taromenane, - ameaçando sua sobrevivência no seu habitat natural. O governo inclusive autorizou não somente a abertura de vias de acesso, como a construção no local das plataformas e sondas de perfuração, em uma zona reconhecida como portadora das maiores biodiversidades do planeta.
Com dificuldades de caixa e de tecnologias para operar os seus campos maduros de petróleos pesados, o Equador contratou empresas de serviços, como a Schlumberger, em condições altamente favoráveis para operar seus campos maduros, assim como se associou a empresas estatais chinesas, que têm forte presença no país.
Agora o governo de Quito quer atrair empresas privadas de petróleo para atuar nas suas novas áreas exploratórias. A estatal Petroecuador está perdendo seu monopólio na exploração e produção, no refino e na distribuição, além da aceleração dos planos de sua fusão com a outra estatal Petroamazonas, com o governo abertamente oferecendo o setor para investidores internacionais.
Apesar de sair da OPEP, para não ter que cumprir as cotas de corte de produção, o governo do Equador promete ajudar no processo de controle da produção, como forma de tentar recuperar os níveis dos preços internacionais do petróleo. Acompanhando movimentos recentes da produção mundial de petróleo, o Equador reduziu em cerca de 60 mil barris diários sua produção de junho de 2020, em relação a junho de 2019, apesar de isso significar uma elevação de 172 mil barris em relação à sua produção de maio.
Uma das grandes limitações para a produção é o sistema de logística, em particular os seus oleodutos em relação à arquitetura do terreno e à densidade do seu petróleo. O Sistema de Oleodutos do Equador (SOTE) é sua principal rede de transportes, além do oleoduto Shushufindi-Quito e o Oleoduto de Crudos Pesados (OCP) que estão operando muito abaixo de suas capacidades.
A queda dos preços e a mudança da dinâmica internacional do diferencial entre petróleos pesados e leves aumentaram o desconto do petróleo Oriente, do Equador, em relação aos outros petróleos mais leves, ameaçando seriamente a economia do país muito dependente das exportações desse produto. As importações de diesel e gasolina continuam, apesar da queda da produção e das exportações nacionais.
O Equador já teve 3,7 bilhões de barris de reserva em 2002, caindo para 2,7 bilhões antes da posse de Correa, que conseguiu manter estável esse nível até 2009, quando as reservas iniciam um processo de declínio, chegando a 1,6 bilhões de barris em 2019, conforme se pode ver a seguir:
Ao longo do século XXI, a produção se manteve relativamente estável em torno de 500 mil barris dia, principalmente para exportação. O consumo doméstico apresentou uma trajetória contínua de crescimento chegando ao final dos anos 2010 na proximidade dos 255 mil barris diários, atendidos por refino próprio e importações de derivados.
Triste sina dos países produtores de petróleo que, como dizia um dos fundadores da OPEP, pode ser uma benesse de Deus, assim como pode ser o excremento do Diabo.
Quem se apropria da renda gerada pelo petróleo é essencialmente o resultado de opções políticas, que refletem as correlações de forças dos países. Não é um problema técnico. No Equador, o povo está perdendo e as multinacionais podem ganhar. Tudo com suporte do atual governo equatoriano.
Edição: Elen Carvalho