A Câmara dos Deputados aprovou no último mês de julho a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna permanente o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). O principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no país teria sua vigência encerrada em dezembro caso a PEC não fosse aprovada. A proposta precisa passar ainda pelo Senado, onde deve ser votada em agosto.
O Fundeb é composto por impostos estaduais e municipais com complementação da União, beneficiando locais onde a arrecadação não alcança o valor mínimo nacional por aluno. A PEC, de relatoria da Deputada Federal Professora Dorinha (DEM-TO), aumenta a complementação dos recursos federais, hoje de 10%, para 23%, ao longo de seis anos. Conversamos sobre o tema com a professora Uilma Amazonas, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que atuou também no Programa de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). Logo de início, a professora declarou: “Antes de fazer qualquer inferência sobre financiamento da educação vale ressaltar que um país que aprovou a PEC 95 [Emenda Constitucional 95/2016] que congela por 20 anos os recursos de educação e saúde é uma sociedade que carrega na sua estrutura social um problema não resolvido de exclusão estrutural e condena sua população a enfermidades danosas, ao obscurantismo e ao desalento”.
BdF BA: A educação é direito social, segundo a Constituição Federal de 1988, além de direito humano. Como a distribuição dos recursos do Fundeb busca promover equidade no acesso e qualidade no processo educacional brasileiro?
Uilma Amazonas: Sendo educação direito social de todo cidadão e dever do Estado, a distribuição de recursos é também um dever constitucional e previsto na Carta Magna de 1988. Destinar mais recursos para educação pública não deixa de ser um ganho importante resultado de uma luta histórica. Mas ainda não significa que o problema da equidade no acesso tenha sido resolvido, muito menos que a questão da qualidade da educação tenha sido selada com a aprovação do Fundeb permanente. É claro que foi um feito importante e graças à luta da sociedade e dos professores.
A partir de balanço divulgado este ano pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 85% das metas do Plano Nacional da Educação (PNE), a serem atingidas até 2024, não serão cumpridas no prazo (como a educação em tempo integral e elevação da taxa de alfabetização). Como seria um cenário sem a aprovação do Fundeb permanente?
Seria mais caótico, principalmente para 46% dos municípios brasileiros que ainda são subfinanciados, pois dependem diretamente dos recursos do Fundeb para manter os sistemas de ensino funcionando minimamente. Tomando como foco de análise apenas a Meta 20 do PNE, que trata do financiamento da educação, percebe-se uma distância entre o previsto e a realidade. De acordo com o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) os resultados observados até hoje apresentam uma relativa estagnação dos investimentos no período entre 2015 e 2018 ficando em torno de 5% do PIB, denotando um grande desafio para o cumprimento.
Um dos pontos de relevância do Fundeb, também segundo a Campanha, é o atendimento a situações específicas como a educação para pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas e a educação do campo. Como tem sido a situação destes setores no estado da Bahia?
Não por acaso o relatório da Deputada Dorinha está pautado em novos critérios de distribuição e a Bahia será o estado com maior número de municípios contemplados com recursos do Fundeb. Mas isso deixa de ser mérito e passa para o campo da falta de investimento em educação generalizada no País que vem se perpetuando ao longo dos anos e justamente onde estão confinados a viver na mais pura negação de direitos sociais a população mais vulnerável, incluindo aí os quilombolas, os indígenas. A Bahia nos últimos anos vem ostentando grande número de adultos analfabetos numa clara regressão da situação que vinha sendo melhorada ao longo da última década.
Todos os programas de apoio e incentivo e investimentos para as áreas de educação do campo, educação de indígenas e quilombolas e educação especial foram extintos no MEC de 2016 até hoje e nada foi apresentado, nenhuma política educacional para manutenção dessas modalidades, por isso a Bahia possui municípios com muitas demandas não atendidas.
O governo Bolsonaro tentou de várias formas interferir com retrocessos no texto da PEC, inclusive propondo o adiamento de sua decisão no plenário. A aprovação na Câmara teve votação que representou uma forte derrota para o governo. O que a senhora pensa sobre esta situação: foi uma vitória da mobilização política da sociedade?
Está claro que outro golpe, dessa vez na educação, a sociedade brasileira não vai aceitar. O governo tentou se utilizando de manobras, como tentar adiar a votação, apresentando nova proposta reducionista, adotando a estratégia da velha política do toma lá da cá, mas não foi dessa vez embora a ameaça desse governo é constante, todo dia tem um ataque à educação de alguma forma, quando não diretamente vem indiretamente, como o projeto que tenta reduzir o Piso Nacional dos professores da Educação Básica.
Edição: Elen Carvalho