Na pandemia, o mais caro são as vidas das pessoas e, no caso do Brasil, de pessoas negras e pobres.
Tão logo aconteceu a reabertura do comércio, com a flexibilização, as ruas de Salvador estão com mais pessoas circulando e trabalhando, com suas máscaras de variadas cores mas nem sempre posicionadas corretamente.
O sofrimento constante do povo soteropolitano, pobre e negro, que labuta dia a dia para sobreviver, foi intensificado por mais de quatro meses de solidão, isolamento social e dificuldades de sobrevivência em uma cidade que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada em maio, teve uma taxa de desocupação de 17,5% nos três primeiros meses de 2020. O número está acima dos 15,2% verificados no 4º trimestre de 2019 e da taxa do 1º trimestre do ano passado (15,8%). A cidade subiu no ranking de desocupação entre as capitais, da 3ª posição no ano de 2019 para a 2ª posição nos primeiros três meses de 2020.
Jamais poderíamos culpabilizar a população pela vontade de voltar à normalidade: vivemos em uma cidade aglomerada, com periferias onde as pessoas tem a necessidade de circular, de se movimentar, de fazer o corre e botar a comida na mesa.
Mas podemos refletir qual o papel do poder público neste momento de reabertura do comércio, que ainda não se sabe se deveria ter ocorrido. Faz-se fundamental cobrar transparência total dos dados, fiscalização dos estabelecimentos e cumprimento exemplar das normas da OMS: como controle total da transmissão, testagem constante da população, campanhas e fácil acesso à informação, além de, principalmente, redução de infectados.
Estudiosos e pesquisadores afirmam que o mundo não será mais o mesmo. Entretanto, enquanto o mundo está adotando novas medidas de convivência até se ter certeza de que não há mais risco algum com a pandemia da Covid19, o Brasil vai abrindo as portas, enchendo as ruas de gente e o presidente sai em multidões, abraçando as pessoas e fazendo chacota da gravidade da situação.
Tudo isto ocorre mesmo diante de diversas pesquisas que apontam o Brasil como pior país no combate à covid-19. Pesquisa divulgada pelo Imperial College de Londres, divulgada em 30 de julho, mostrou que a transmissão do coronavírus voltou a ganhar força no Brasil - já são 14 semanas que o índice de contágio (rt) - uma métrica de taxa de reprodução viral, que mostra a velocidade de sua disseminação - segue acima de 1 no país. O país já se aproxima da marca de 100 mil óbitos pela doença.
Em Salvador, o percentual de ocupação tem subido após a reabertura do comércio, no dia 24 de julho, quando estava em 70%, e até o último dia 02 de agosto voltou a 75%, recomendação da Organização Mundial de Saúde para a implantação da Fase 1, que permitiu a reabertura dos shoppings da capital baiana no último dia 24. Se chegar a 80%, a Fase 1 terá que ser revogada.
Essa oscilação da porcentagem é um grande risco e afasta a possibilidade de implantação da Fase 2, que contempla academias de ginástica, barbearias, salões de beleza, centros culturais, museus, galerias de arte, lanchonetes, bares e restaurantes. A etapa só será colocada em prática se o índice ficar igual ou abaixo de 70%. O que está acontecendo é um perigo: o município vai inaugurando leitos, para manter a média conforme a recomendação da OMS, mas não mostra transparência quanto à redução de infectados.
O colapso da economia brasileira, justificativa para maquiar a realidade e trazer uma sensação de falsa normalidade, foi consequência do mau planejamento, do descaso com a gravidade da pandemia.
Mas o pior, revela o menosprezo às vidas que estavam sendo interrompidas: os dados mostram que das quase cem mil mortes, mais da metade são de negros (pretos e pardos). Isso porque é esta população a mais acometida pela desigualdade social e comorbidades que levam à morte pela doença. De quem são estes rostos? De trabalhadores e trabalhadoras brasileiras, com histórico de vida marcado pela pobreza.
Como vereadores, temos que cobrar a intensificação da fiscalização dos estabelecimentos e as campanhas de cuidado em Salvador, para não passar a falsa sensação de normalidade. Ainda estamos vivendo uma pandemia!
Com transparência, união e luta, vamos combatendo este governo federal que engana a população e a leva ao perigo, utilizando o discurso "de trabalhar para sobreviver". Este peso sempre esteve nas costas da população brasileira, e é absolutamente inaceitável que o governo coloque mais outro peso na gente: o das mortes de nossa população.
Em Salvador, apresentei um projeto de lei que dispõe sobre os critérios para a flexibilização do comércio, eventos e serviços em Salvador, seguindo as recomendações da OMS, pois considero fundamental que o legislativo esteja em constante alerta para que não vivenciamos um rebote e uma segunda onda da pandemia, ainda pior.
É preciso muita transparência do planejamento que deve ser elaborado pela Prefeitura e construído junto com o Plano do Setor Produtivo, dos conselhos municipais e a comunidade, até porque na capital baiana, quando falamos de comércio e economia, falamos de conjuntura muito variável por bairros, por cor e raça, por classe social. Se faz necessário também a manutenção dos auxílios emergenciais, frutos da luta de legisladores comprometidos com a justiça social.
Tentam nos impor uma falsa dicotomia "saúde X economia", mas não esqueçamos que foi o que sempre fez o capitalismo, colocando o dinheiro em detrimento da vida humana.
Quem luta por justiça social, equidade e igualdade deve sempre lembrar que na pandemia o mais caro são as vidas das pessoas e, no caso do Brasil, de pessoas negras e pobres. Colocá-las para trabalhar sem nenhuma condição de segurança e sem transparência devida sobre a realidade é mais uma vez promover o genocídio que tanto lutamos contra.
Edição: Elen Carvalho