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Coluna

Até quando seguiremos nesta Via Crucis de lutas diárias regadas de sangue e suor?

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"A revolução de nuestra américa será negra, indígena, feminina ou não será". - Reprodução
Falar de classe trabalhadora sem identificar os sujeitos é o mesmo que negar a existência desta

O mês de memória e comemoração da luta e resistência da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha  - julho - nos leva a fazer  uma pergunta latente: até quando seguiremos nesta Via Crucis de lutas diárias regadas de sangue e suor? E nós mulheres negras respondemos com coragem e firmeza: seguiremos o tempo que for necessário até vermos acontecer a segunda e verdadeira abolição do nosso povo em nossa América Latina.
Esta Via Crucis possui muitas facetas, desvios, rotas que, ora nos paralisam, ora nos impulsionam a nos organizar em torno de um projeto coletivo que fortaleça nosso protagonismo e nos reposicione não apenas num lugar de fala, mas sim no lugar de sujeitas revolucionárias e portadoras das grandes transformações em nossos territórios. Isto porque essas facetas nos posicionam em fenômenos bem concretos da vida cotidiana que determinam nosso lugar no mundo e que não são obras do destino. Falo aqui da luta de classes, raças e gêneros. Este nó que nos trouxe danos irreparáveis, mas que também nos abriu janelas históricas, circunstâncias estas marcadas por uma sociedade dividida que impõem à Mulher Negra inúmeras sujeições decorrente das profundas desigualdades e condicionamentos.
Sabemos ou ao menos temos a noção, especialmente para as lutas organizadas, de que falar de classe trabalhadora sem identificar os sujeitos desta classe é o mesmo que negar a existência desta e os diversos modos de opressão e exploração que a burguesia desenvolveu e combinou para manter a classe trabalhadora em geral na condição de subalterna. Especialmente em territórios espoliados pela colonização, como é o caso da América Latina e Caribe, dentre eles, o Brasil. Isso nos ajuda a compreender que a data 25 de julho é uma demarcação da luta da classe trabalhadora que, por sua vez, é negra e feminina. E negar isso é a firmar nossa incapacidade de transformar a realidade.
Este negacionismo, que se fortalece com a globalização do capitalismo através da lógica branca, europeia, patriarcal e racista, não somente dissimula suas formas de opressões e explorações através da falsa democracia racial forsosamente implementada em nossos territórios, como também, e mais grave, delimitou esta “democracia” apenas às pequeníssimas frações abastadas e/ou cooptadas da classe trabalhadora emergente. Abaixo dos limites democráticos encontrava-se e ainda se encontra, toda a massa da verdadeira classe trabalhadora, marginalizada, precarizada, vivendo nos limites da informalidade ou da ilegalidade que a tão proclamada democracia deixou cair de migalhas para nós. 
A este submundo democrático que sempre comportou mais de 2/3 das populações negras e indígenas de nossos territórios, não somente fomos relegadas, como também sujeitadas à invisibilidade e coisificação de nossa força de trabalho numa dinâmica mais profunda e perversa que a do trabalho “livre” assalariado. Esta situação vivenciada pelas mulheres negras tratou-se de um projeto desenvolvido ao longo da formação social e econômica da América Latina e que deita raízes no modo de produção escravista, que sempre operou a partir das elites e ignorou a potencialidade revolucionária dos de baixo.
A maior de todas as façanhas das elites foi conseguir incorporar na parcela minoritária da classe trabalhadora, porém ideologicamente hegemônica, a mesma lógica perversa e degradante da competição e negação da existência do povo negro, especialmente da existência das mulheres negras enquanto elemento central da luta em nossos territórios. Consequentemente a esquerda incorporou este estado de coisas e tem insistido em nos tutelar covardemente sem realizar um reconhecimento honesto e radical de que só haverá revolução em nossas nações se nós, povos não brancos, assumirmos a vanguarda. 
Sendo assim, pensar ou vivenciar dias como o 25 de julho não representa apenas valorizar a luta de nossas incontáveis mulheres negras latino americanas e caribenhas, mas acima de tudo reconhecê-las como a vanguarda das grandes transformações em nossos países. Reconhecê-las igualmente como fração majoritária da classe trabalhadora que é triplamente revolucionária por ser trabalhadora, mulher, negra e, que é nesta fração que se encontra a chave para a organização de todo o povo.
Portanto nosso maior desafio não é lutar por igualdade e dignidade dentro dos limites da ordem democrática burguesa (que nunca chegou a nós) e que visivelmente nos impõe limites para experimentar essa condição. Nosso principal desafio e tarefa é sermos protagonistas da rebelião consciente e organizada que coloque a periferia em movimento, neutralize a reação do Estado (violento e aniquilador) e irrompa uma verdadeira transformação democrática, não por quem insiste em nos tutelar e dizer que não somos classe trabalhadora. Mas uma transformação democrática realizada por quem a democracia nunca alcançou: as desterradas, as mães solteiras, empregadas domésticas, donas de casa, juventudes, professoras, estudantes, etc. Meninas, adultas, anciãs que não precisaram de uma Pandemia para saberem que a miséria, a humilhação e a exploração sempre chegaram primeiro que a solidariedade de classe.
Não é uma tarefa fácil, mas não há outro caminho. A revolução de nuestra américa será negra, indígena, feminina ou não será. E aos que negam esta realidade, cabe a nós ensinarmos da forma mais terna e dura tendo a prática como único critério da verdade. Salve o dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha! Salve às nações solidárias e socialistas que, um dia, haveremos de construir!
 

Edição: Elen Carvalho