Entidades lançam nota de apoio a comunidades quilombolas que sofrem os impactos da manutenção da exploração de diamante no norte da Bahia. As 12 comunidades - Lagoa dos Bois, Poças, Bom Sucesso, Salinas, Palha, Tanque Bonito, Lagoa da Cruz, Caldeirão do Padre, Caldeirão do Sangue, Lagoa da Fumaça, Grota e Lajes das Cabras, ficam no município de Nordestina, e a denuncia é de que além de todos os conflitos gerados pelo modelo mineral adotado, em tempos de pandemia do novo coronavírus, a manutenção das atividades do setor mineral, tido como atividade essencial, tem contribuído para o avanço da contaminação da população, uma vez que trabalhadores foram diagnosticados com a COVID 19 e a realização do trabalho implica em aglomeração de pessoas.
A nota traz também dez pontos reivindicatórios, entre eles audiência pública com o Ministério Público Federa e Estadual, estrada própria pela empresa Lipari Mineração LTDA, que explora a região, para o tráfego de seus veículos; solucionar questões de abastecimento de água e saneamento básico; o pagamento das indenizações pelos danos materiais causados e a renda cabível do empreendimento; e sobre a suspensão das atividades compreendendo que mineração não é atividade essencial, e manutenção coloca risco para a vida dos trabalhadores e de suas famílias.
"Nós, as entidades subscritas, vimos denunciar e cobrar solução para a grave situação das Comunidades Quilombolas de Lagoa dos Bois, Poças, Bom Sucesso, Salinas, Palha, Tanque Bonito, Lagoa da Cruz, Caldeirão do Padre, Caldeirão do Sangue, Lagoa da Fumaça, Grota e Lajes das Cabras, no Município de Nordestina – BA, em que vivem cerca de 500 famílias, submetidas aos impactos danosos da continuidade do extrativismo mineral a céu aberto em seus territórios e aos riscos de contaminação pela Covid-19. As 12 comunidades foram certificadas, em 2016, pela Fundação Cultural Palmares – hoje ligada ao Ministério da Cidadania –, como remanescentes de quilombos. Até hoje, porém, não receberam a titulação de suas terras, o que as obriga a permanecer na insegurança e na luta pela regularização de seus territórios tradicionais, como lhes garante a Constituição Federal de 1988. Neste momento crítico de pandemia, o extrativismo mineral, mesmo não sendo atividade essencial, continua em operação, o que agrava ainda mais os riscos que já correm estas comunidades.
Desde 2015, com a instalação da Lipari Mineração LTDA, que extrai diamantes na mina Braúna, dentro dos territórios destas comunidades quilombolas, os/as moradores/as não têm mais sossego, sofrendo diariamente os impactos e os danos causados pela mineração. Segundo levantamento realizado com o apoio da Comissão Pastoral da Terra – CPT de Senhor do Bonfim, em 2019, das 12 comunidades situadas no entorno da mina, nove delas, com cerca de 60 famílias, tiveram suas casas e/ou cisternas de captação de água de chuva danificadas pelas detonações na mina. O acesso à mina se dá através de estradas vicinais públicas, anteriores à implantação do empreendimento; em alguns trechos, veículos pesados da empresa, inclusive aqueles que transportam explosivos, transitam bem ao lado das residências, causando estragos às vias e insegurança às pessoas. Não faltam denúncias de acidentes que causam mortes de animais domésticos, silvestres e do criatório familiar. Ruídos constantes do moinho e das detonações, odor dos explosivos, fumaça, poeira tóxica e militarização do território são outras consequências nefastas da mineração no cotidiano das comunidades.
Em face destes impactos, as comunidades passaram a enfrentar dificuldades para viver em seus territórios. A comunidade mais distante da mina está a aproximadamente nove quilômetros, a mais próxima, por volta de dois quilômetros. Empreendimentos do porte destes, a Braúna sendo a maior mina de diamantes da América do Sul e a Lipari a maior empresa mineradora de diamantes da América do Sul, com capital belga e chinês, deveriam trazer benefícios econômicos e sociais para o município, principalmente para as comunidades nas quais se implantou e as do seu entorno. Entretanto, não se observa melhorias efetivas e estruturais para a região impactada. Além dos danos já mencionados, há o risco de extinção destas comunidades tradicionais ao se apagar a memória cultural, mudando estradas, cortando árvores centenárias e interferindo no modo de vida. É “ameaça da mineradora, que está aqui bem pertinho de nós e o risco de avançar ainda mais”, diz um quilombola da Lagoa dos Bois, em entrevista de junho do corrente ano.
A maioria das 500 famílias vive em estado de vulnerabilidade social, em que a fome é explícita e a principal fonte de renda é o Programa Bolsa Família e aposentadorias. Algumas moradias são de taipa, em muitos casos abrigam até quatro famílias, sem acesso ao saneamento básico. Muitas não têm água encanada ou têm abastecimento irregular e pagam contas de valores exorbitantes. Sem acesso regular à terra e à água, as atividades produtivas estão comprometidas.
A situação vem se agravando com a pandemia do novo coronavírus em expansão pelo interior, em municípios do Território do Sisal e em todo o país. O primeiro caso registrado em Nordestina aconteceu em 02/05/2020; eram 17 casos em 23/06/2020, conforme o Boletim Epidemiológico / SESAB. Em 29/06/2020, já eram 61 casos confirmados, sendo 18 empregados da Lipari e três registrados na Comunidade Quilombola Caldeirão do Sangue, com um óbito, conforme boletim apresentado pela Prefeitura Municipal. A preocupação aumenta ao se considerar que Nordestina não tem leitos hospitalares adequados para atendimentos da Covid-19, nem testes suficientes para demonstrar a real situação.
Os quilombolas estão muito preocupados, conforme externaram em entrevistas na Comunidade de Lagoa dos Bois, em junho deste: “É uma coisa que assusta a gente, ninguém diga que não fica preocupado porque fica. Tô preocupada, pedindo a Deus que nunca chegue na família da gente”; “Então, é uma doença que a gente não sabe quem tá contaminado. (…) eu acho que mudou tudo na minha vida, na vida de nós todos ser humano, então tá muito difícil”.
Já a Mina da Braúna segue fornecendo milhões de lucros à Lipari. O mínimo que, por lei, ficou para o município corresponde ao CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, que em 2018 foi de R$ 2.930.330,39, cabendo ao município 65%, ou seja, R$ 1.758.198,23. É muito pouco frente aos custosos problemas que causa! A distribuição de cestas básicas propagandeada pela empresa funciona mais como marketing do que real solução, além de causar divisão interna nas comunidades.
O que precisam e têm direito as Comunidades Quilombolas é de políticas de prevenção, que promovam a dignidade e a soberania delas sobre seus territórios. São antigas suas pautas de reivindicação, as quais apoiamos irrestritamente:
Realizar Audiência Pública convocada e coordenada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual, com a finalidade de: a) a Empresa apresentar os estudos específicos, medidas mitigadoras, sistemas de monitoramento, segurança e controle de impactos; b) apresentação dos EIA-RIMA – Estudos e Relatório de Impactos Ambientais; c) apresentação e discussão das reivindicações das Comunidades impactadas; d) apresentação pela Empresa dos planos de expansão do empreendimento;
Realizar urgentemente, por empresa especializada independente, os estudos de avaliação dos níveis de ruídos, vibrações do solo e poluição do ar causados pelas detonações e tráfego de veículos pesados;
Criar comissão técnica paritária, supervisionada pelo Ministério Público, com a finalidade de fazer o levantamento e avaliação dos danos materiais causados pelas atividades da Empresa;
Construir estrada própria pela Empresa para o tráfego de seus veículos;
Solucionar, pela Prefeitura e EMBASA, o problema de abastecimento de água, regularizando o fornecimento semanalmente em todas as residências das 12 Comunidades Quilombolas, providenciando, inclusive, as instalações necessárias ao suprimento de todas as famílias da Comunidade Fumaça.
Solucionar, pelo Poder Público, o problema de saneamento básico, com a construção de sanitários utilizando tecnologia apropriada à disponibilidade hídrica do local.
Suspender, pelo INEMA, a outorga à Lipari para retirada de água do Rio Itapicuru, considerando o princípio da precaução e o risco de assoreamento do rio e em respeito à prioridade do uso humano e animal da água determinada pela lei.
Realizar pelos órgãos competentes a demarcação e titulação dos Territórios Quilombolas do município de Nordestina.
Pagar as indenizações pelos danos materiais causados e a renda cabível do empreendimento, conforme determinam a Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho e o Decreto Estadual 13.247/11.
Aplicar, pelo Poder Público, um percentual da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração Mineral em ações de melhoramento ambiental e social nas Comunidades Quilombolas atingidas, a serem discutidas com as comunidades, inclusive o valor.
POR FIM, CONSIDERANDO ESTE MOMENTO CRÍTICO DE PANDEMIA, REAFIRMAMOS E COBRAMOS O PASSIVO DESTAS ANTIGAS PAUTAS DE REIVINDICAÇÃO, EM CARÁTER IMEDIATO. EXIGIMOS QUE OS DIREITOS TERRITORIAIS E SOCIOAMBIENTAIS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS SEJAM RIGOROSAMENTE RESPEITADOS.
PARA ISTO, A MINERAÇÃO TEM QUE PARAR! A VIDA É ESSENCIAL, A MINERAÇÃO NÃO!
OS PODERES PÚBLICOS MUNICIPAL E ESTADUAL ATENDAM ÀS REIVINDICAÇÕES CONFORME SUAS RESPONSABILIDADES.
Nordestina, 02 de julho de 2020
Assinam:
Fórum de Comunidades Quilombolas de Nordestina
Paróquia de São João Batista / Diocese de Bonfim de Nordestina – BA
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Fórum Territorial de Povos e Comunidade Tradicionais do Território do Sisal
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia – AATR/BA
Movimento Quilombola do Maranhão – MOQUIBOM
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Nordestina
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Associação Regional das Organizações Sociais do Semiárido Baiano – Umbuzeiro
Associação de Assistência Técnica e Assessoria aos Trabalhadores Rurais – CACTUS
Caritas Regional NE 3
Conselho Missionário Indigenista – CIMI
Pastoral Operária
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Escola Família Agrícola do Sertão
Pastoral da Juventude Rural
Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas no Semiárido (REFAISA)
Coordenação Ecumênica de Serviço – CESE
Central das Associações e Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto – CAFFP
Grupo de Pesquisa GeografAR / POSGEO / UFBA
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA
Fundação de Apoio à Agricultura Familiar do Semiárido da Bahia – FATRES
Pastoral da Criança
MST – Movimento Sem Terra
Núcleo de Estudos em Questões Agrárias do IF Baiano Capus Santa Inês/CNPq
Laboratório de Geografia Humana da UNIVASF, campus Senhor do Bonfim-BA
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Produção do Espaço – GEPPSE/UNIVASF/CNPq
Grupo de Estudos e Pesquisa Geografia do Trabalho e Ontologia do ser social: estudos sobre a essência da relação sociedade-natureza – GTOSS.
Sindicato dos Docentes da Universidade Federal do Vale do São Francisco – SINDUNIVASF.
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE NORDESTE.
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo – FACED – UFBA.
Fundação Padre José Koopmans Extremo Sul da Bahia (FUNPAJ)
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física Esporte e Lazer. FACED UFBA.
Associação de Moradores da Tapera e Miringaba-AMTM – Caravelas-Bahia
Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial CAECDT/UNEB
Fórum Estadual Permanente de Educação do Campo/Alagoas
Teia dos Povos (Bahia)
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo, Trabalho, Contra-Hegemonia e Emancipação Humana (UNEB)
Organização Mandacaru Dignidade Resistência do Sertão – OMDRS
Núcleo de Estudos das paisagens semiáridas tropicais – NEPST
Grupo de Pesquisa e Articulação Campo, Terra e Território (NATERRA/UECE).
Grupo de Estudos Agrários (GEAR/UECE)
Laboratório de Estudos do Campo, Natureza e Território (LECANTE/UECE)"
Edição: Jamile Araújo