No último dia 13 comemorou-se 127 anos da fundação do arraial de Canudos. Em 1893, às margens do rio Vaza-Barris, no norte da Bahia, iniciou-se a construção da vila que se tornaria um dos mais importantes focos de resistência popular contra a opressão do Estado e dos coronéis. Nomeada mais tarde pelo seu líder, Antônio Conselheiro, como Arraial de Belo Monte, ela foi destruída pelas forças do governo em 1897, tendo sua história, por muito tempo, sido contada pelas mesmas elites que produziram o massacre.
Na vila, que chegou a ter cerca de 20 mil habitantes, o modo coletivo de produção atraía famílias que buscavam melhores condições de vida, longe dos latifúndios. O crescimento do arraial acabou por despertar o medo dos donos de terras e do Estado que, considerando a comunidade uma ameaça à ordem, enviou grande contingente do exército para destruí-la. Após quase um ano de resistência em uma luta desigual, os poucos sobreviventes se renderam e o arraial foi incendiado. Mais tarde, a região foi inundada para a construção de um açude e seus habitantes forçados a se retirar, reconstruindo a cidade em outro lugar.
Apesar disso, Canudos vem conseguindo resgatar sua memória através, principalmente, de ações e movimentos populares. Entre elas está a fundação, em 1993, do Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC). Vanderlei Leite, atual presidente do Instituto, conta que a ideia de sua criação surgiu entre vários representantes da comunidade e movimentos sociais durante os preparativos para a romaria que celebrava os 100 anos da fundação do arraial: “As pessoas discutiram a necessidade de criar uma instituição para documentar e atualizar a história do Arraial de Belo Monte”. O instituto é uma organização não-governamental, que se mantém com pequenas doações dos sócios e serviço voluntário.
Vanderlei explica a importância da inciativa, hoje referência no tema: “Vinham vários pesquisadores, professores, fotógrafos, conhecer Canudos, conhecer a história, e não tinha esse espaço de apoio, com obras literárias, com um acervo histórico”. A entidade conta com uma capela que guarda o Cruzeiro erguido por Antônio Conselheiro assim que chegou ao arraial de Belo Monte, uma biblioteca para consulta e visitação, e exposição com peças do período da guerra.
A proposta é contar a história por outra perspectiva. Nas palavras de Vanderlei, trata-se de contar “a história de Canudos a partir da reflexão, da visão mais local, inclusive com descendentes de sobreviventes da guerra”. E ressalta: “são as várias pessoas que existem aqui na região que continuam nos atualizando com a verdadeira história de Canudos”. Elas, que segundo Vanderlei podem “relatar de forma natural a história da comunidade de Belo Monte”, são consideradas prioridade nessa reconstrução.
No sertão e nas redes
O IPMC, conta Vanderlei, tem realizado diversas ações que contribuem para a divulgação da memória de Canudos, entre elas seminários em universidades, escolas e eventos, além de publicações impressas. “A gente tem como experiência a publicação de um almanaque anual que retrata de forma popular a vivência das comunidades tradicionais e a vivência da comunidade de Belo Monte”, afirma. O instituto também é correalizador da romaria anual de Canudos.
Fazem parte de seu corpo de membros, professores e guias turísticos, que atendem visitantes de outras regiões do país e do mundo. Vanderlei informa, ainda: “Estamos nos organizando para utilizar as redes sociais como ferramenta de divulgação dos nossos trabalhos”. Nestes espaços é possível envolver mais pessoas, de outros lugares e experiências, nas vivências e lutas das comunidades tradicionais. O IPMC pode ser visitado no Facebook e Instagram.
Canudos resiste nas memórias vivas de seus habitantes e também em lutas atuais. “As frentes de resistência que acontecem hoje têm um pouco de Canudos presente”, lembra Vanderlei. Em tempos em que o autoritarismo e a criminalização de movimentos populares voltam a ser constantes ameaças, é preciso, mais do que nunca, não esquecer seu exemplo e sua história.
Edição: Elen Carvalho