“Um filho do sertão, resistência conselheirista”. Assim se anuncia o poeta José Américo Amorim, que se dedica a contar em poemas a história de seu lugar. Canudos, sua cidade natal, localizada no sertão do Rio São Francisco na Bahia, foi palco, no século XIX, de uma das mais intensas lutas populares da história do Brasil – a Guerra de Canudos. Nela, após enfrentamentos por quase um ano, seus habitantes, que se opunham à exploração dos latifúndios e do governo, foram dizimados pelo exército, que incendiou o arraial e decapitou seu líder, Antônio Conselheiro. Os sobreviventes reconstruíram a cidade e seu povo luta ainda hoje para escrever e preservar sua memória. Desse esforço faz parte o poeta José Américo, que tem 4 livros publicados sobre o tema e está escrevendo sua próxima obra, com poemas sobre os herois e personagens de Canudos.
A tradição de contar histórias através da poesia é rica no nordeste, onde inúmeros artistas populares criam seus repentes, cantorias e cordéis, registrando feitos importantes ou cotidianos. Para José Américo, a poesia chegou cedo, ainda menino, quando fazia versinhos no colégio. Ele conta que sempre ouvia os mais velhos contarem narrativas sobre seu povo. “A minha primeira poesia sobre Canudos eu tinha 14 anos de idade”, diz. Falar deste episódio, pontua, “é muito importante porque a história de Canudos é a história do Brasil, é quando se revela o outro Brasil, dos camponeses, escravizados”. A história de seu povo, afirma, é história “da resistência das lutas populares”.
A primeira Canudos foi destruída pelo fogo. Mais tarde, a cidade reconstruída foi alagada para a construção de um açude, e os descendentes retirados fundaram-na novamente, ali perto. “Eu acho que a ideia era que cobrindo de água escondia o palco do massacre e a vergonha”, considera José Américo. Mas, apesar das tentativas, a história não foi esquecida, e para isso a poesia teve e tem importante papel, seja na sua reconstrução, preservação ou divulgação. O artista explica que, sobre Canudos “por muito tempo nos livros de história apareciam duas linhas, coisa bem distante da realidade. Então a poesia, essa forma de expressar, fica muito mais fácil para as pessoas entenderem a realidade”. José Américo, através de seu projeto “A poética do ensinar e do aprender”, vem trabalhando com a poesia junto a alunos de escolas locais e cidades vizinhas e fazendo recitações nas visitas guiadas no Parque Estadual de Canudos, espalhando para mais longe as narrativas do lugar, já que estudantes de outros estados e visitantes de outras partes do mundo também passam por lá.
Memória viva
Hoje a memória viva de Canudos está, segundo José Américo, mais do que nas escolas e nos museus, “principalmente na cabeça da juventude”: “Hoje nós temos grupo de teatro, músicas, poesia”, narra. E declara: “Quando lá atrás eles degolaram nosso povo, cortando a cabeça com uma expressão bárbara e cruel, achavam que ali [nos] calaria, mas não, nós estamos aqui até hoje nessa resistência”. A memória permanece em todos os que levam “o legado de Antônio Conselheiro na luta por igualdade, por dias melhores”, diz o poeta.
Luta que não ficou no passado, nem só no sertão. “Canudos é todo dia, todos os dias é dia de lutar, por direitos, por justiça. Canudos está espalhado pelo país nas favelas lutando por dignidade, está no campo, nas grandes cidades”, declara José. Por isso Canudos, para ele, precisa ser lembrado: “nós ainda somos fuzilados, pretos e pobres humilhados, e Canudos é essa chama viva de luta por mais justiça social”. Através da poesia, ele contribui para manter sua memória como exemplo de resistência para as lutas, tão necessárias ainda hoje: “Canudos lá no século XIX disse ‘não’ ao sistema opressor, ao sistema escravocrata, que até hoje ainda mata do litoral ao sertão. Então a poesia serve para expor isso, para abrir a mente dessa juventude que é a base do meu trabalho, essa juventude que recebo aqui de vários lugares do mundo”.
Edição: Elen Carvalho