Ansiedade, medo, tristeza: sentimentos que têm sido cotidianos para muitas pessoas durante a pandemia do Covid-19. Para aquelas que já dependiam de apoio psicológico, o distanciamento social pode aumentar ainda mais o sofrimento emocional. Algumas iniciativas, no entanto, têm buscado alternativas para atender a demandas de saúde mental, driblando o isolamento com ajuda da internet.
É o caso do programa PsiU (Universidade, Saúde Mental e Bem-estar), que atende gratuitamente à comunidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), formada por alunos, professores, técnicos e terceirizados. Com a pandemia, o programa, que existe desde 2017 de forma presencial, tem feito atendimentos através do WhatsApp, pelo número (71) 98707-1041. A demanda tem sido de 8 a 10 chamadas por dia. Marcelo Veras, psiquiatra e coordenador do programa, conta: “Muitas vezes a gente recebe pessoas onze horas da noite, muito tensas pela solidão”.
Para ajudar neste momento, ele indica alguns reposicionamentos. Ele explica que muitas pessoas estão com medo (do desemprego, da morte, da doença e do futuro próximo), questões muito preocupantes, mas que isso apenas aumenta a sensação de impotência: “Somos atropelados por um evento mundial e esquecemos que o modo como a gente vive esse evento é pequenininho, a gente tem que saber lidar são com as pequenas ações”. Ele sugere, também, que as pessoas aproveitem esse momento para “reinventar a intimidade de seus próprios espaços”, de estar em casa e de ali se relacionar. “Toda trama se passa no modo como a gente consegue atravessar um período, que não é nem tão longo, quando a gente pensa na travessia de nossa existência, se servindo de outros modos de comunicação para chegar até o outro”, explica.
Já, de inciativa da Prefeitura de Salvador, foi lançada a Plataforma Psiu Acolhimento (psiuacolhimento.com.br) para acompanhamento psicológico online e gratuito para toda a população. O atendimento é realizado por psicólogos voluntários, através de videochamadas com duração de até 20 minutos. O serviço funciona 24 horas por dia e realizou mais de 900 atendimentos nos primeiros dias de funcionamento. Para os psicólogos interessados em se voluntariar, basta realizar o cadastro através do site e informar o número de registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP). A plataforma foi desenvolvida em parceria com as startups Cubos Tecnologia e Sanar, através das secretarias municipais de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis) e de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre).
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, os serviços da atenção à saúde mental foram orientados a realizar a gestão dos casos dos usuários por telefone e outras formas de comunicação virtual, mas seguem acolhendo quem precisa do atendimento presencial (prescrição e renovação de receitas, entrega de medicamentos e admissão de novos usuários). As atividades em grupo e oficinas terapêuticas dos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial) foram suspensas, mas as unidades permanecem abertas em horário normal (8h às 17h).
Entre os mais vulneráveis
Aspectos sociais também são parte deste cenário. Laís Mendes, psicóloga e apoiadora da Associação Papo de Mulher, formada por mulheres de camadas populares atendidas nos CAPs de Salvador aponta: “A gente vive em uma sociedade capitalista, racista, machista, lgbtfóbica e isso gera impactos na nossa saúde mental que vão emergir de forma ainda mais intensificada nesse momento que a gente está”.
Laís explica que pessoas com transtornos mentais muitas vezes não têm acesso a emprego formal. Muitas estão à espera por doações e liberação de auxílios, o que, segundo ela, intensifica o processo de sofrimento mental. Laís afirma que elas têm de lidar ainda com o medo e com o imperativo do confinamento “quando muitas vezes a informação não chega, ou porque a vida já foi tão exposta às situações diversas de risco, que a noção de situação de risco se torna algo quase corriqueiro”. E declara: “A gente está nesse momento do ‘Fique em casa’ quando muita gente nem casa tem, ou quando ficar em casa significa uma exposição a diversas formas de violência”.
Para apoiar as usuárias, Laís e as apoiadoras da associação têm buscado ferramentas para colaborar, seja na realização dos cadastros de auxílio, seja na escuta, pela internet ou ligações telefônicas. Laís, que também faz parte do CBLA (Coletivo Baiano de Luta Antimanicomial), conta que o grupo está preparando ações online para o mês de maio, dedicado à luta antimanicomial. Serão promovidos debates sobre saúde mental e sua relação com temas como gênero, raça, pandemia e conjuntura politica. A programação será divulgada pelo Instagram @cbla.mv.
Edição: Elen Carvalho