O velho imperialismo mais uma vez atua na Venezuela ferindo a autonomia nacional e a democracia
Os EUA intensificaram suas ações militares contra a Venezuela, no fim do mês de março, em plena crise do coronavírus e queda brutal da demanda mundial e dos preços. As ações militares de mobilização da Quarta Frota no Caribe foram realizadas depois de várias iniciativas legais de tentar caracterizar o governo de Maduro como um governo narco traficante e corrupto, utilizando de todo o aparato jurídico de combate às drogas e contra a corrupção.
A lawfare elevada ao extremo, com o uso da força armada no bloqueio naval da Venezuela e a utilização dos mecanismos jurídicos na tentativa de seu isolamento da comunidade do Direito internacional, justificando as ações americanas para a derrubada do governo do pais, foram utilizadas para trazer o governo de Caracas para o horizonte dos interesses estratégicos dos EUA no Caribe.
No plano diplomático, em 31/03/, os EUA propuseram um plano para mudar o regime venezuelano, em clara intromissão nos assuntos internos daquele país, com a utilização de vários instrumentos da guerra híbrida, incluindo o bloqueio financeiro das contas das empresas venezuelanas e aquelas que, mesmo estrangeiras, negociam com o governo de Caracas.
O Secretario de Estado Mike Pompeo propôs, de forma unilateral e autoritária, que para tirar as sanções americanos, a Venezuela deveria romper sua Constituição de 1999, derrubar o governo Maduro e o substituir por um novo governo a ser eleito em 6-12 meses. No intervalo, um Conselho do Estado governaria o país. Clara intervenção externa sobre um estado soberano! Maduro resiste.
A situação interna da Venezuela é dramática, com aumento dos casos de desnutrição, imigração massiva para países vizinhos (Colômbia e Brasil), inflação descontrolada e contas fiscais em frangalhos, especialmente depois da queda dos preços do petróleo, principal riqueza do país. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo conhecida do mundo. Os preços do petróleo da Venezuela, principalmente o seu óleo pesado Merey-16, vem vertiginosamente caindo, muito mais do que os outros tipos de petróleo. Enquanto o Brent caiu de 12,5%, em fevereiro, relativamente a janeiro de 2020, o Merey despencou de 35,6% devido às restrições impostas pelos EUA. A Venezuela está tentando sair do mercado das refinarias americanas, tentando atender as especificações do petróleo para as refinarias chinesas e indianas, mas tem encontrado dificuldades de adquirir equipamentos e insumos para efetuar estas conversões. O petróleo venezuelano é extra-pesado e precisa ser processado em mejoradores, antes de ser exportado como um petróleo sintético como o Merey. Pobreza e desemprego crescem e a crise política continua tensa, com grande apoio popular ao governo Maduro e uma oposição renintente e militante, com forte apoio do Brasil, da Colômbia e principalmente dos EUA.
A situação do refino na Venezuela também é muito grave. Falta gasolina dos postos e a escassez paralisa o país. A direção da PDVSA foi mudada sete vezes depois de 2014 e o setor de refinação perdeu seus mais importantes dirigentes. O sistema de refino, que tinha 1,3 milhões de barris dia de capacidade e se estruturava em torno de três grandes refinarias (Paranagua - 1 milhão de barris, - El Palito, -140 mil – e Puerto de la Cruz – 187 mil), além de outras pequenas, produziu 302 mil barris dia de gasolina e 270 mil barris dia de diesel, além de 91 mil BOE de GLP, em 2019, já tendo alcançado uma produção de 1,127 milhão de barris dia em 2013. A situação atual é de paralização de El Palito e Puerto de La Cruz e El Colosso Paranagua opera abaixo dos 10% de capacidade2.
A baixa utilização das refinarias reflete problemas de gestão, mas principalmente a falta de outros insumos, impedidos de chegar pelo bloqueio americano e veto de empresas do mundo negociarem com este país. O consumo atual de combustíveis está em torno de 220 mil barris, o que acaba forçando a Venezuela a importá-los para atender as necessidades, apesar do contínuo decréscimo da demanda doméstica de gasolina e diesel devido à crise econômica.
A geopolítica se faz presente na propriedade das maiores empresas deste negócio. A Petropiar, que exporta petróleo sintético, é uma joint venture PDVSa e a americana Chevron e os principais compradores do produto são a CNPC (China) e Nayara Energy da India, mas que pertence à Rosneft (Rússia). EUA, Rússia e China junto com a PDVSA no meio a bloqueios e agora possível guerra.
A produção de petróleo cru da Venezuela, segundo estimativas de fontes secundárias utilizadas pela OPEP, vem caindo sistematicamente de 1,3 milhões de barris dia, em 2018, para 0,7 milhões de barris dia no 4T2019, alcançando 0,76 milhões em fevereiro de 2020. As exportações não devem superar 8 bilhões de dólares em 2020, quando já foram de 25 bilhões em 2019. Com preços caindo, demanda interna contraída, impossibilidade de aumentar a produção e bloqueio americano para as suas exportações e operações financeiras, a Venezuela vive uma situação terrível, com suas contas fiscais em frangalhos e enormes dificuldades de garantir o suprimento de produtos básicos ao seu povo.
A russa Rosneft, uma das mais ativas empresas estrangeiras na Venezuela, anunciou sua saída do país por pressões dos EUA. O governo russo transferiu a propriedade dos ativos da Rosneft na Venezuela para uma outra empresa 100% estatal russa, mas à revelia do governo de Caracas que teria, de acordo com os contratos de joint-ventures, aprovar previamente a mudança de propriedade dos sócios da PDVSA.
O governo de Putin está em negociações com Trump, para levar a um acordo com a Arábia Saudita, visando recuperar os preços do petróleo e aliviar a situação dos produtores domésticos dos EUA, com custos mais elevados. O acordo pode envolver alguma solução para a presença dos russos na Venezuela.
O velho imperialismo, com suas novas cores, mais uma vez atua na Venezuela ferindo a autonomia nacional e a democracia, em busca de assegurar o controle sobre os recursos petrolíferos do pais. Como dizia um velho ministro do petróleo venezuelano, Juan Pablo Perez Alfonso, um dos fundadores da OPEP, “El petróleo, no es oro negro; es el excremento del diablo”.
Edição: Elen Carvalho