Se pararmos para escutar, as águas nos contam segredos e carregam a sabedoria ancestral do nosso povo. É no movimento das águas que aprendemos sobre o movimento da vida. Nós somos água, principalmente água.
Só é possível vida porque existe água e só há calor onde existe umidade. Umidade nos lembra da humildade, tão valorosa para a gente de nossas terras, que sustenta a vida embaixo de sol quente, suor e trabalho. Sem humildade, o egoísmo e a ignorância reinam, destruindo a possibilidade de uma realidade onde o respeito seja a base da construção de um outro mundo.
No balanço das ondas do mar, as águas nos exigem coragem para atacar e força o suficiente para chegar onde queremos, mas nos dizem também que, por vezes, é necessário aprender a retroceder, recuar. As águas nos ensinam a mergulhar, afirmam a capacidade que temos de ir lá fundo e voltar. Não é possível viver verdadeiramente apenas na superficialidade: é necessário conhecer mares profundos, inimagináveis e também alimentar as fantasias que os sonhos despertam, sem viver apenas nelas. A natureza não é como os nossos inimigos: as águas turvas de um rio não devem nos causar medo mas despertar em nós o desejo pela entrega aos mistérios da vida e a sabedoria para enfrentar o desconhecido.
Se me perguntassem que elemento representa a nossa América Latina, diria, sem dúvidas, que são as águas. A falta de silêncio do mar é o grito e a rebeldia de um povo que afirma a necessidade de ultrapassar a linha do horizonte daqueles sem fé, sem amor e sem verdade que queremos nos dominar. As águas sabem também ser revoltas, invadir e destruir cidades inteiras de submissão para afogar os planos daqueles que nos querem sem vida.
As águas abram os caminhos para darmos os passos mais coerentes, justos e necessários para curar e transformar a nós mesmas, nós mesmos, a sociedade e o mundo em que vivemos.
Viva o poder das águas!
Edição: Elen Carvalho