O significado de masculinidade por muito tempo esteve vinculado à ideia tradicionalista dos atributos obrigatórios ao homem para se reconhecer enquanto tal, negando inicialmente para si as características culturalmente classificadas como “femininas”, como a sensibilidade, e o (auto)cuidado e absorvendo para o masculino a virilidade (Bloc & Georges, 1996), baseado em sociedade fundamentalmente patriarcal. Se o homem em questão for negro, adicione uma série de características que o hiperssexualize e reduza sua condição de intelectualidade e humanidade. Entretanto, através das novas demandas sociais e do surgimento e expansão dos estudos de gênero, falar sobre masculinidade passou a exigir falar sobre masculinidadeS, que possuem diferentes posições nas relações de poder e apresentam possibilidades outras de se identificar como homem, que mesmo ainda dentro do contexto patriarcal, buscam se distanciar da perspectiva tradicionalista e conservadora. Direcionando o conceito ao fenômeno social da violência de gênero, estudar masculinidades se torna imprescindível para uma série de frentes de ação para intervir no problema: contribuir para a proteção das vítimas, para responsabilizar proporcional e pedagogicamente o agressor e multiplicar, para as pessoas envolvidas e para toda a sociedade, a ideia de que construir uma identidade enquanto homem não precisa ter qualquer relação com o conjunto de comportamentos de risco (para os outros e para si, consequentemente) que o “pacote masculino” tradicionalista impõe. Muitas estudiosas(os) têm se engajado para desenvolver ações e políticas públicas que pensem essa masculinidade (auto)destrutiva. Algumas destas frentes está no campo penal, pensando em alternativas penais à prisão para situações que não representadas por crime hediondo, além de grupos reflexivos tanto para estes quanto para os homens encarcerados Elisabeth Badinter em sua obra Xy: Sobre a Identidade Masculina enfatiza que desde criança o homem é ensinado a sê-lo dentro da masculinidade oriunda do patriarcado, o que significa dizer que pensar intervenções para homens no momento pós violência por si só já representa a grande dificuldade desta empreitada, mas que também pode ser pensada como um caminho estratégico e necessário para multiplicar o que estes mesmos homens absorvem e refletem para os outros homens em sua vida e em contextos diversos aos do sistema de justiça criminal. Iniciativas como as alternativas penais e os grupos reflexivos representam importantes avanços no campo penitenciário, principalmente quando nos referimos a um sistema tão letal e que desde sempre nunca teve intenção alguma de propor a chamada ressocialização, mas animalização e morte social. A complexidade do desafio de enfrentar as estruturas deste sistema é enorme, mas se faz urgente enfrentá-lo. Enquanto não forem aplicadas políticas outras que proponham a este homem que gradativamente é ensinado a violentar, um modelo de responsabilização que lhe leve à consciência e reflexão sobre sua própria condição na sociedade, continuará se perpetuando o ciclo já conhecido de dor, revolta e vingança e morte, sentimentos que encontram terreno fértil nas superlotadas celas nos complexos prisionais Brasil afora.
Edição: Elen Carvalho