No mês de março, marcado pelo Dia Internacional de Luta das Mulheres, entrevistamos Djacira Araújo, educadora da Escola Nacional Florestan Fernandes e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sobre os desafios das mulheres brasileiras. Confira:
BdF BA: É possível pensar uma sociedade sem violência e com equidade entre mulheres e homens?
Djacira: É uma questão bastante complexa, porque requer também questionar e enfrentar o grave problema civilizatório que é a opressão de gênero e construir ações capazes de enfrentar e combater a violência contra as mulheres e o feminicídio; esses horrendos males que resultam de uma racionalidade individualista, patriarcal e racista, que se impõe com a supremacia de um certo tipo de indivíduo como ser superior. Os corpos femininos e a vida das mulheres estão profundamente marcados pela violência patriarcal e classista que lhes é imposta cotidianamente. No entanto, nós feministas acreditamos que é possível pensar uma sociedade sem violência. Para tanto, a luta feminista revela que a desigualdade tem raízes históricas, culturais e econômicas, e que a opressão de gênero é resultante da forma que as sociedades organizam o seu desenvolvimento e sua reprodução.
Por que pensar uma educação feminista e reconstruir práticas e relações de gênero?
É necessário intensificar a prática da educação feminista que aporta aos homens e mulheres novas forma de se relacionar, novos hábitos e comportamentos que se alicerçam nos valores humanistas e socialistas. É preciso combater os dogmas religiosos os quais justificam e fortalecem a violência psicológica contra as mulheres.
A educação popular e feminista deve pautar novas relações entre as pessoas, educando as mulheres para luta contra opressão e fortalecendo a solidariedade e a coletividade, valorizando mais as pessoas e não os objetos.
A educação feminista é uma concepção de vida que valoriza o outro, combatendo os preconceitos, as desigualdades, opressões e todas as formas de violência, e essa educação só pode ser efetivada com o protagonismo das mulheres na luta e não fora da luta da classe trabalhadora.
Quais são os principais desafios das mulheres do campo?
Estamos vivenciando a maior investida de desterritorialização dos povos do campo, desde a colonização de 1500. Hoje tanto os/as sem terra quanto os/as indígenas, os/as quilombolas, os/as pequenos/as agricultores/as estão sob ataques do agro, hidro e minério negócio. As mulheres do campo seguem em resistência, lutando pela terra, defendendo os territórios conquistados, denunciando a extinção das políticas públicas e dos programas de educação no campo, denunciando o fechamento das escolas, eliminação das políticas de créditos para a agricultura familiar, a privatização e estrangeirização das nossas terras, dos minérios, a liberação do uso dos agrotóxicos e o consequente envenenamento da terra, da água e dos alimentos provocados pelo agronegócio. Elas vem denunciando o aumento da violência em função do machismo e o racismo estrutural do estado brasileiro, que tem um braço armado no campo que são as milícias financiadas pelos ruralistas e estimuladas pelo governo de Bolsonaro. Milícias essas que vem promovendo os assassinatos e as chacinas no campo.
Como as mulheres do campo estão se preparando para as lutas do mês de março?
Diante do cenário de agravamento da violência contra as mulheres e os movimentos populares do campo é que nós mulheres estamos internamente fortalecendo a auto-organização, o trabalho de base e nos preparando para retomada das lutas de massa. A partir de março estaremos mobilizadas em todo o Brasil, pautando a luta pela reforma agrária, a defesa dos nossos territórios, realizando ocupação de terras e nos somando a luta das mulheres no dia 8 de Março em defesa da democracia, da soberania contra a violência e o feminicídio e exigindo a punição aos mandantes e assassinos de Marielle Franco assassinada no dia 14 de março de 2018.
Edição: Elen Carvalho