Nas redes e nas ruas, as mulheres têm ocupado cada vez mais o seu espaço e reafirmado seu projeto de sociedade. A palavra, esse importante símbolo de expressão que, mesmo a partir de formas muito singelas, consegue refletir a disputa de um cenário político - como é o caso da recente hashtag #EleNão - é também matéria-prima da arte, em especial da literatura. E é a partir dela que as mulheres têm desafiado romper barreiras e confrontar seu lugar na sociedade.
A negação da candidatura da premiada escritora Conceição Evaristo à Academia Brasileira de Letras trouxe à tona o debate sobre o preconceito dentro do universo da arte. Segundo Tailane Sousa, pesquisadora de literatura afrofeminina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “a consciência da intersecção do racismo e do sexismo produz uma escrita literária combativa, poderosa e que compreende o texto literário como arma de enfrentamento no campo simbólico”. Ser mulher, ainda mais mulher negra na literatura, incomoda.
É o que afirma também a escritora e estudante de psicologia Caroline Anice. “Ser mulher negra jovem escritora é dar continuidade a um legado e a um chamado também de construir poder popular, de transformar a sociedade e construir o nosso horizonte, a nova sociedade”. Caroline tem textos publicados nas coletâneas “O Movimento Leve” (Editora Malê), fruto do Prêmio Jovens Escritores da Literatura, e “Raízes: resistência histórica” (Vienas Abertas).
“Arder me emociona desde que aqui cheguei”
Com os versos de Marize de Castro, a poeta Clarissa Macedo também ressalta como ser mulher reflete no seu trabalho. “Quando vivo a escrita materialmente falando, algo tão fundamental para a minha vivência, é a mulher que fala; é a condição feminina, a existência atravessada pelo machismo, pelo abuso, pela violência, sofrida por tantas gerações, que se manifesta”. Doutora em Literatura e Cultura, escritora, revisora, professora e pesquisadora, Clarissa Macedo é autora de “O trem vermelho que partiu das cinzas” (Pedra Palavra) e “Na pata do cavalo há sete abismos” (Penalux), ganhador do Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia em 2014.
Mesmo tendo sua obra traduzida para o espanhol e viajado diversos países com seu trabalho, Clarissa afirma ainda enfrentar o machismo e a desqualificação da sua arte. “A grande crítica literária, no sentido de veiculação, me ignora. Quanto ao público, ah!... tenho tido boa receptividade. Um retorno que me enche de alegria e fôlego, manifestado de várias formas”.
Palavra que reverbera
Tailane ressalta o poder multiplicador da escrita das mulheres: “Quando escritoras negras como Conceição Evaristo, Miriam Alves, Cidinha da Silva, Cristiane Sobral, Lívia Natália, escrevem e publicam, criam uma rede de resistências (e reexistências) e sinalizam um ato político comprometido com mudanças efetivas nas estruturas sociais”. Foi também pensando nesse potencial que as professoras e escritoras Mariana Paim e Larissa Rodrigues levaram para Feira de Santana o projeto “Leia Mulheres”, inspirado no projeto #readwomen2014, criado pela inglesa Joanna Walsh. A cada mês, uma obra escrita por mulheres é lida e debatida no grupo.
Edição: Elen Carvalho