Quem participa dos desfiles tradicionais do dia 07 de setembro, certamente já deve ter visto a saída do “Grito dos Excluídos”. Em Salvador, o grupo se concentra em frente ao Teatro Castro Alves, no Campo Grande, e sai em marcha geralmente após a passagem do cortejo “oficial”. Uma iniciativa de Pastorais Sociais da Igreja Católica, inspirada pela Campanha da Fraternidade de 1995, o Grito se consolidou como um movimento que olha para o Dia da Independência de outro ponto de vista: daqueles e daquelas para quem o 07 de setembro não significou a verdadeira liberdade. “O dia que se fala de comemoração da independência é próprio para se pensar essa questão da soberania nacional”, aponta Thiago Correia, membro da equipe da articulação do Grito na ASA – Ação Social Arquidiocesana. “Dessa ótica, de que o eixo central do processo de independência é que ela não acontece para toda a população. O país pode ser independente no dia 07 de setembro, mas essa independência não faz com que os seus também tenham emancipação. E a gente vem nessa contracorrente dizendo que a precisamos avançar muito nessa questão", observa.
Contrapondo-se à militarização tradicional do desfile, o Grito propõe pensar o patriotismo de uma outra forma, como ação mobilizadora para a inclusão de quem historicamente foi marginalizado ou marginalizada. “Enquanto muitos só estão ali comemorando os militares, a bandeira, a ótica de ordem e progresso, a gente vem falando que esse patriotismo precisa estar antenado à luta do povo por terra, por voz, por vez, por lugar nessa sociedade. Por isso que o 07 de setembro é um dia tão emblemático. Enquanto as tropas passam de um lado, aqueles que não tem nada passam do outro”, afirma Thiago.
Apesar da origem ser ligada à Igreja Católica, o Grito não é necessariamente um ato religioso e sim político, cuja articulação envolve hoje diversas organizações, movimentos sociais, sindicatos, conforme explica Thiago “A Igreja Católica vem puxando um pouco mais. Aqui em Salvador tem a Cáritas, que esteve muito tempo puxando o Grito, a própria ASA, mas existem vários segmentos de movimentos sociais e movimentos populares que vêm junto. Partidos políticos também participam, mas o nosso papel é dar voz aos movimentos comprometidos com a luta das mulheres, das pessoas em situação de rua, das pessoas que estão à margem”.
“O Grito é uma oportunidade de ir às ruas chamando a atenção sobre o quanto o poder constituído não atende à população”, diz o Coordenador do movimento aqui em Salvador, o Padre José Carlos. “Nós queremos, sobretudo, valorizar a vida e a esperança de um mundo melhor e também denunciar todo tipo de opressão, de exclusão dentro dessa sociedade, de um projeto neoliberal”.
Basta de privilégios!
O Grito não deixa de abordar temas que dialoguem com as mudanças estruturais que o país precisa, como a luta contra fome, por terra, soberania, direitos e participação popular. No início, em 1995, trouxe como tema “A vida em primeiro lugar”, slogan que acompanha o movimento até hoje, acompanhado a cada ano de um lema diferente. Esse ano, o lema é “Desigualdade gera violência: basta de privilégios!”. Thiago analisa que, especialmente nos últimos anos, o Grito tem se voltado a denunciar questões ligadas aos desafios da construção de uma sociedade democrática: “Nos últimos três anos a gente vem falando principalmente das dificuldades que a gente enfrenta à luz da democracia. Então a gente fala sobre o sistema capitalista, que vem gerando exclusões, a marginalização, criminalização [lema de 2016: “Esse sistema é insuportável: exclui, degrada e mata]”. Depois a gente fala sobre esses direitos, que a luta por direitos é todo dia [2017: “Por direitos e Democracia, a luta é todo dia”] e, hoje, que basta de privilégios. No momento em que vivemos, com o desmonte de todos os direitos sociais da população, da saúde, da assistência social, da educação, da previdência... esse ano, falar sobre basta de privilégios é necessário”.
A importância do Grito no momento atual também é um destaque do Padre José Carlos, que aponta a necessidade de estar nas ruas denunciando a escalada de retirada de direitos. “Nesse momento histórico é importante que o povo vá às ruas para mostrar a indignação com tudo que foi feito pelo governo que está estabelecido em Brasília, retirando direitos dos trabalhadores, das mulheres, negros e pobres da periferia. A Emenda que congela por 20 anos os gastos públicos compromete a educação, saúde, segurança, projetos sociais, é um absurdo! E a gente não pode concordar com isso, tem que ir para a rua brigar”.
Edição: Elen Carvalho